Em Portugal existe, persiste e resiste uma literatura gastronómica notável. Basta pensar em autores como Aquilino Ribeiro, Bulhão Pato ou Júlio César Machado e no grande trabalho de registo e divulgação levado a cabo nesta área por José Quitério em jornais, revistas e livros. Este livro múltiplo de Branca Vilallonga engloba receitas mas também memórias, emoções e afectos. São 52 receitas, fica uma para cada semana do ano.
No índice as sopas são 3, as entradas também 3, os acompanhamentos são 3, de peixe existem 17 receitas, de carne são 12 e, por fim, 14 entre bolos e doces. Cada receita do livro surge dedicada a uma figura das Artes, das Letras ou do Mundo de Amizade e Familiar. Um aspecto muito curioso é a presença do humor. Na página 18 recorda a autora um livro de cozinha de sua mãe («100 maneiras de cozinhar bacalhau») e uma receita algo insólita: «cozer o bacalhau, as batatas e as couves e depois temperar. Só com alho, pimenta e vinagre. Não pôr nem uma gota de azeite. Porque se o bacalhau é magro não merece e se é gordo não precisa». Chama-se «Bacalhau à Salazar», como não podia deixar de ser.
Uma das memórias mais felizes da autora é a da visita com 5 anos de idade à Confeitaria Nacional: «Lembro-me de ir, no Inverno, à Confeitaria Nacional na Praça da Figueira, de mão dada com a minha tia Dinorah. Ainda hoje lá vou (e bebo chá misturado com saudades)». Um pormenor de muita ternura tem a ver com a inclusão nas páginas 125, 129 e 133 de receitas antigas manuscritas. Também a sabedoria salpica este livro entre receitas, memórias, emoções e afectos. Por exemplo esta frase sobre gastronomia: «A boa cozinha é quando as coisas sabem àquilo que são» ou esta sobre a vida: «Casar uma vez é um dever, duas vezes uma asneira, três vezes uma loucura».
O posfácio de Levi Condinho recorda o perfil da amizade mútua e traça um retrato da autora («habita no coração de Alfama, ali à Sé, adora o fado, as festas dos Santos Populares») que termina com um toque de ironia: «tem um pequeno defeito: não bebe álcool, não gosta de vinho; problema seu, Branca ao menos que gostasse de branco…»
(Editora: Pó de Estrelas, Capa: Luís Custódio, Paginação: Carlos Sousa, Posfácio: Levi Condinho)
José do Carmo Francisco