Regenerar a cidade ou regenerar a política?

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Sem que se perceba uma estratégia integrada de desenvolvimento da cidade, o município das Caldas da Rainha tem à vista uma oportunidade para modificar uma parte da face do seu centro urbano, neste caso ao nível do espaço público, já que, ao contrário de tentativas anteriores, terá suposta e finalmente verbas externas para concretizar alguns projectos. É a consequência do trabalho de uma equipa constituída em 2002, depois ligeiramente alargada, que aliás nessa altura apresentou projectos precisamente para os mesmos locais, sem que existissem plena vontade política e sorte financeira para a sua concretização. Mas estes anos volvidos, pergunta-se: onde está o Plano de Pormenor do Centro Histórico? Qual a sua relação com estes projectos? Qual a estratégia para o incentivo à recuperação dos edifícios degradados? Como pode um município desbaratar projectos atrás de projectos, com consequências no erário público?

Regenerar a Cidade?

Há poucas semanas, o Comité das Regiões da União Europeia reconheceu que as cidades e os centros urbanos dão um contributo cada vez mais importante para o desenvolvimento europeu.
Nos últimos anos, as políticas de regeneração urbana têm tido como base um modelo cujo âmbito de aplicação prevê formas de intervenção que não se resumem aos pavimentos, mas também à regeneração económica, à recuperação do património imobiliário, à melhoria da eco-eficiência urbana e à promoção de modos de transporte mais sustentáveis.
Simultaneamente, o Comité das Regiões é de opinião que as cidades apresentam grandes vantagens tanto para as pessoas como para as empresas, não só como centros económicos e de trocas comerciais mas também como espaços de promoção das liberdades individuais e como centros de criatividade, investigação e excelência.
Para satisfazer a procura por parte das empresas que pretendem instalar-se em zonas regeneradas, os programas tendo isso em vista devem apostar em formas inovadoras de aproveitar o espaço disponível e melhorar a prestação de serviços urbanos, tirando o máximo partido do efeito aglutinador das zonas centrais.
O Comité das Regiões realça, também, a importância do património cultural, quer para o desenvolvimento das cidades quer para as gerações futuras, e preconiza que a regeneração urbana tenha imperativamente em conta a totalidade das questões com ele ligadas, na sua dimensão quer material quer imaterial, em particular no que diz respeito aos sectores da restauração e da protecção dos edifícios e conjuntos históricos, aspectos que Caldas da Rainha tem substancial herança.
Sendo o valor estético do património imobiliário um factor decisivo para que as cidades enfrentem com êxito a concorrência internacional, sejam mais atraentes e ofereçam mais qualidade de vida aos seus habitantes, o Comité propõe que sejam lançadas iniciativas que abranjam a dimensão da criação arquitectónica e artística. Onde estão os resultados do Plano de Pormenor do Centro Histórico, para que a contemporaneidade arquitectónica seja permitida, ou onde está a integração da criatividade da ESAD no centro urbano?
É reconhecível, também, o valor de cada ecossistema, sendo prioritário proteger e gerir os biótopos que rodeiam as cidades, ou estão situados dentro ou perto delas, por se tratar de um elemento importante para a regeneração urbana, juntamente com acções de sensibilização e informação dos cidadãos em matéria de ambiente, aspectos que Caldas da Rainha tem que preservar, face às iminentes ameaças à Mata, à Quinta de Santo Isidro, à Quinta da Boneca e ao Casal Belver, por exemplo, como zonas desejavelmente de reserva ecológica estratégica e não sujeitas a desvarios construtivos ou a loteamentos. Esta questão prende-se, também, com a relação íntima das cidades com as regiões que as rodeiam – cidade-campo –, e em particular com a sua periferia imediata, e que essa relação deve ser bem gerida, sendo que o caso das Caldas, pela presença dos seus símbolos Praça da Fruta e Termas, é bem pertinente.
Assim sendo, nas Caldas, os projectos de regeneração urbana que se apresentam na actualidade surgem por via de uma estratégia comercial e não tanto do planeamento urbanístico integrado, embora chegue por certo para deliciar os mais incautos.
Depois de um mandato em que a mais evidente novidade foi o incremento da rede urbana de transporte público, embora sem preocupações ecológicas e de acesso à coroa periurbana, o actual soube potenciar parte da equipa técnica iniciada no quadriénio 2002-2005, para de novo permitir candidaturas a fundos. Mas fica aparentemente longe de uma ideia sustentada num modelo de desenvolvimento urbano e numa aposta política ambiciosa e inequívoca.

Regenerar a Política?

As autarquias têm um papel decisivo e destacado na formulação, na execução, no acompanhamento, no apoio e na avaliação das estratégias integradas de regeneração urbana e, de uma forma mais geral, na melhoria do ambiente urbano. Os diferentes programas e iniciativas da União Europeia permitiram acumular um enorme acervo de conhecimentos sobre o desenvolvimento urbano a nível europeu e em cidades específicas.
Há cidades que já funcionam como laboratórios experimentais abertos e alcançam bons resultados, porque a regeneração urbana foi encarada como um processo permanente e integrado, alicerçado numa visão a longo prazo do desenvolvimento urbano sustentável. A boa governação dos programas de regeneração urbana deve começar na fase de análise, e o trabalho da Auditoria Urbana da Comissão Europeia e os trabalhos em curso sobre o quadro de referência para as cidades europeias sustentáveis são particularmente importantes neste contexto.
O estudo “The urban dimension of community policies 2007-2013” [A dimensão urbana das políticas comunitárias 2007-2013], recentemente actualizado, publicado pelo Grupo Interserviços da Comissão sobre Desenvolvimento Urbano, reforça o papel da regeneração urbana integrada, dando enfoque à função dos centros urbanos como laboratórios de investigação, tal como o que foi experimentado nas Caldas, há anos, com uma Faculdade de Arquitectura, por exemplo.
Sabendo-se como brevemente se lançará à escala europeia a iniciativa “Regeneração urbana para cidades europeias inteligentes, sustentáveis e inclusivas”, talvez a mesma sirva de ensinamento – tardio, é certo – a quem, politicamente, pensa que a regeneração apenas se faz a partir de projectos de tratamento do espaço público, neste caso com décadas de atraso.
Ou será que, em matéria de regeneração, o que urge é, antes de mais, regenerar os políticos locais?

Por: Jorge Mangorrinha*
*Professor Universitário

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