
O passeio dos seniores que em boa hora a União de Freguesias de Nª Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório realizou este ano, com um comboio especial para Setúbal prova que sobre o carris é possível viajar-se das Caldas da Rainha para todo o país. Assim quisesse a CP ampliar a sua oferta criando comboios directos para mais destinos que não só Coimbra e Lisboa.
Vem isto a propósito do potencial turístico da linha do Oeste, sobre o qual gostaria de deixar aqui duas ideias. Uma depende essencialmente dos poderes públicos, a outra mais da iniciativa empresarial. Vamos a isso.
DO OESTE PARA ESPANHA E FRANÇA
Desde 1887 que Portugal tem uma ligação directa a França através do comboio Sud Expresso. Saindo de Lisboa, esta composição – que tem frequência diária – alcança Vilar Formoso pela linha do Norte e Beira Alta, prosseguindo depois por Salamanca, Valladolid, Burgos, Vitória, San Sebastian, Irún e Hendaya, onde dá ligação ao TGV para Paris.
Existe também uma ligação diária entre Lisboa e Madrid. Data de 1947 e é feita pelo também célebre Lusitânia Expresso, que é igualmente um comboio nocturno. Historicamente esta ligação era feita pelo Entroncamento, Abrantes, Castelo de Vide, Marvão, Valência de Alcântara e Cáceres até à capital espanhola.
Desde 2012 a CP fundiu estes dois comboios numa composição única, que segue pelo mesmo caminho (via linha do Norte e Beira Alta) até Espanha, onde se separam em Medina del Campo, indo um ramo para a fronteira francesa de Hendaya e outro para Madrid. No regresso, o Sud e o Lusitânia encontram-se também em Medina onde são atrelados numa só composição até Lisboa.
Este serviço, recorde-se, é diário.
A ideia – que não é minha mas do meu amigo, Eng. Eduardo Zuquete, investigador em matéria ferroviária e que já foi director comercial da CP – é que este comboio único Sud Expresso e Lusitânia Expresso passasse pela linha do Oeste, colocando assim Torres Vedras, Caldas da Rainha e Leiria na mesma rota, na mesma linha, em ligação directa, com Coimbra, Mangualde, Guarda, Vilar Formoso, Salamanca, Valladolid, Burgos, Vitoria, San Sebastian e também com Ávila e Madrid.
“A região ligada diariamente a um imenso mercado de milhões de espanhóis que poderiam apanhar um comboio nas suas cidades e, sem transbordos, viajar directamente para as praias e monumentos do litoral Oeste”
E está em causa apenas isto: o Oeste ligado diariamente a um imenso mercado de milhões de espanhóis que poderiam, de uma forma simples e sem transbordos, apanhar um comboio nas suas cidades e viajar directamente para as praias e monumentos do litoral Oeste.
Do nosso lado também há só vantagens: que fácil seria apanhar o comboio nas Caldas (ou em Torres ou Leiria) e acordar no dia seguinte em Madrid, San Sebastian, ou em Hendaya!
Tecnicamente nada obsta a que este comboio circule pelo Oeste. Entre Lisboa e Louriçal pode ser rebocado por uma locomotiva a diesel, que daria lugar a uma locomotiva eléctrica para o resto da viagem.
Em termos de tempo de percurso, uma penalização de mais uma hora em relação ao actual não é grave porque trata-se de um comboio nocturno onde a velocidade não é valorizada, mas sim a comodidade da viagem.
Diga-se que este comboio tem lugares sentados de 2ª classe, cabines com beliches para se viajar deitado, compartimentos com camas e compartimentos “gran class” com casa de banho privativa, que inclui WC e duche. Não é por acaso que lhe chamam comboio-hotel. E a CP está sempre a tempo de repor a carruagem-restaurante que esta composição já teve (em vez da actual carruagem-bar onde também servem refeições), devolvendo a este comboio o glamour dos grandes expressos.
A própria CP teria vantagens, do ponto de vista comercial, em alterar a rota deste comboio. Em vez de Entroncamento e Pombal (os dois maiores núcleos populacionais paralelos à linha do Oeste), teria Cacém/Sintra, Torres Vedras, Caldas da Rainha e Leiria. Compare-se a atractividade de ambos e veja-se qual tem mais potencial em termos de mercado.
Tecnicamente é possível. Comercialmente é desejável. De que estamos à espera?
De quebrar o habitual imobilismo da CP que, de resto, é uma empresa pública e tem um accionista (o Estado) que são os portugueses. Para isso, é preciso que as forças vivas da região, as mesmas que em 2012 se uniram e conseguiram evitar o encerramento da linha do Oeste, voltem a movimentar-se, desta vez, para colocar esta região na rota do turismo ibérico.
O EXPRESSO TURÍSTICO DO OESTE
Têm circulado com êxito alguns comboios turísticos cujo objectivo não é viajar do ponto A para o ponto B, mas sim fruir a viagem enquanto ela dura e aproveitar os pontos turísticos que se oferecem pelo caminho.
O Transcantábrico (que faz o litoral norte de Espanha), o Expresso de La Robla (Astúrias) e o Al Andaluz (que se passeia pela Andaluzia e tem também uma rota pelo caminho de Santiago) são três exemplos de como nuestros hermanos sabem aproveitar o turismo ferroviário.
Tratam-se de comboios de luxo, com todas as comodidades, que vão parando nos sítios de interesse turístico onde os passageiros são recebidos por autocarros que os levam a quintas, praias, termas, monumentos, restaurantes, parques naturais, que visitam, regressando depois ao comboio-hotel onde pernoitam e seguem viagem.
Em Portugal, já que, incrivelmente, ninguém se lembrou de fazer isto na linha do Douro (a qual reconheço como a que tem mais potencial para um projecto deste tipo), poderia começar-se por criar uma oferta deste tipo na linha do Oeste.
Não precisa de ser um comboio de luxo. É desejável até uma abordagem modesta que se pode ir consolidando em pequenos passos. Mas é fácil imaginar uma composição com carruagens-cama, carruagens-salão e restaurante que, partindo do Oriente ou da clássica estação do Rossio, subisse durante dois ou três dias a linha do Oeste até à Figueira da Foz e Coimbra.
A um comboio deste tipo não lhe faltariam motivos para parar muitas vezes. Desde logo a começar por Sintra onde os seus passageiros fariam a primeira incursão. Depois, na estação da Malveira, para visitar Mafra. Uma paragem em Dois Portos proporcionaria visitas às quintas vinícolas da zona. Runa tem um interessantíssimo edifício setecentista mesmo em frente à estação. E em Torres Vedras, desde as termas dos Cucos ao castelo e ao património relacionado com as invasões napoleónicas, não faltam motivos de interesse.
Prosseguindo: no Bombarral, as quintas dos vinhos tornam a paragem deste comboio obrigatória. Em Óbidos estamos conversados: a paragem é igualmente obrigatória. Caldas da Rainha idem: basta sair da estação e fazer a rota bordaliana, almoçar num restaurante da cidade, visitar as termas, museus, fábrica de faianças e parque e ir ou não em autocarro à lagoa e Foz do Arelho.
Em S. Martinho do Porto, o Expresso do Oeste (chamemos-lhe assim) estaciona a 200 metros do mar. Em Valado dos Frades, a dificuldade será: começa-se pela Nazaré ou por Alcobaça?
Na Marinha Grande, eis uma oportunidade para potenciar o turismo industrial. E a seguir Leiria, e depois Monte Real e Figueira da Foz e Coimbra.
Uma viagem deste tipo poderia demorar entre duas noites e três dias até uma semana. Tudo dependeria dos locais a visitar e dos parceiros que se quisessem associar a um tal projecto. Um projecto que – ao contrário do do comboio internacional a passar pelo Oeste – depende muito mais da iniciativa empresarial. Mas à qual teriam necessariamente de se associar as autoridades locais, desde as autarquias, a associações sectoriais, CIMs e entidades turísticas.
Será talvez esta componente – o pôr tanta gente a trabalhar em rede em torno de um objectivo – o mais difícil de tudo. Porque no resto, as carruagens e locomotivas já existem e esta formidável linha do Oeste, com as suas estações ainda preservadas que remontam a um outro tempo também já existe (ou vai existindo). Como também já existem as praias, os monumentos, os restaurantes, as quintas, as fábricas, os museus e todos os locais de interesse turístico.
Para o resto falta apenas, enfim, o empreendedorismo e a imaginação.
Nota do autor: Adaptado do texto publicado no Boletim Informativo da União de Freguesias N. Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório (nº 10 de 2015/2016)
