Neste seu 17º título de poesia Álamo Oliveira (n. 1945) começa por citar «Viagens ao pé da porta» de Vitorino Nemésio mas as viagens do primeiro capítulo são as do Mundo. O poeta parte com a sua ferramenta invisível («na oficina da poesia o silêncio dói») e passa pelo Corvo («quando chove há um búzio de abrigo para cada um»), por S. Jorge («vista de cima é a exclamação do silêncio»). Vai a Genéve («outubro está no tempo preciso da suíça») e a Struthof («ali não é o frio que adoece nem a fome que dói») antes de passar a Tulare («nenhum índio usa já a palavra de fumo»), Berkeley («nada é mais universal que a universidade do amor») e S. Francisco («a Califórnia é um deserto muito cheio de gente». Por fim o Brasil: Rio de Janeiro («não consigo rir do cheirinho favelado da pobreza») e S. Paulo («vou chamar-te amazónia de betão sem qualquer pudor lírico»).
A segunda parte é uma viagem dentro da Ilha Terceira. Passa pelo teatro angrense («casa dos espíritos: o actor treme / pelas palavras que não tem / e pelo rosto que não é seu») e pela oração na rua («a casa do divino está pintada de fresco / como primavera coroada de encanto») mas desagua em duas referências culturais maiores: António Dacosta («só para destoar dacosta abria / as gavetas da memória / e retirava verdes e mais verdes / para pintar o rosto de cidade») e Vitorino Nemésio: «mas isto era antes das tias / na varanda da casa / com as suas mantilhas e terços de lágrimas / ouvirem anjos deslumbrantes a tocar trindades / nas torres da matriz».
(Editora: BLU, Capa: Rui Melo, Design: Vítor Melo, Foto: Eduardo B. Pinto, Apoio: Governo dos Açores, Junta de Freguesia do Raminho))
José do Carmo Francisco