Alberto Costa
advogado
Não obstante várias figuras da região terem feito parte da Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática – com destaque para António e Custódio Maldonado Freitas e Carlos Mota – a regionalista «Gazeta», como tantos outros meios de comunicação da altura, não noticiou nem comentou o Congresso. Estávamos em 1973.
Fosse qual fosse o motivo da omissão (orientação pró-regime do jornal? acção dos serviços de censura?), o jornal perdeu a oportunidade de dar a conhecer aos seus leitores, em tempo oportuno, um acontecimento que se revelaria de particular relevância no caminho para o 25 de Abril. Se o tivesse feito, eles ficariam de certeza menos surpreendidos com o movimento militar do 16 de março, que partiu das Caldas menos de um ano depois – e pouco depois com o próprio sucesso do MFA. A ironia está em deparar-se, cinquenta anos depois, um bom pretexto para reconhecer essa falta.
Isso acontece porque esse histórico Congresso motivou agora, no seu 50º aniversário, a organização e publicação, por parte da União de Resistentes Antifascistas Portugueses(URAP), de uma colectânea de testemunhos de participantes nesse encontro intitulada «A caminho do 25 de Abril, o III Congresso da Oposição Democrática». Ainda que já tenha falecido uma boa parte dos protagonistas de primeiro plano (nomeadamente o principal dinamizador no círculo, José Henriques Vareda) e não se encontrem nela alguns testemunhos que poderiam ser relevantes, o conjunto de depoimentos reunido permite reconstituir as condições políticas da época – de grande condicionamento e repressão da actividade da oposição – e perceber melhor o contributo que o grande encontro de Aveiro deu para que a acção do MFA, um ano depois, assumisse o conteúdo político e programático que conhecemos, com tradução, em 1976, na própria Constituição da República .
Há mesmo aspectos da preparação da revolução que para muitos, com esta publicação, acabarão por resultar melhor esclarecidos. O espaço só permite que nos fixemos num. É sabido que o nascimento do MFA é posterior ao Congresso em causa, que decorreu em Aveiro de 4 a 8 de abril de 1973: o próprio «Congresso dos Combatentes do Ultramar», uma reconhecida causa próxima do «movimento dos capitães», só ocorreria de 1 a 3 de junho seguinte. Pois através desta colectânea fica-se a saber, através dum qualificado depoimento, que assistiram ao Congresso vários jovens militares que integravam um «movimento politicamente organizado que existia na Marinha desde 1970, com ideias claras quanto à democratização do País e ao direito dos povos coloniais à autodeterminação e à independência». Tratava-se de um movimento que – repare-se bem – só em janeiro de 1974, através de Melo Antunes, viria a estabelecer ligação e a articular-se com o «movimento dos capitães» entretanto surgido (o futuro MFA). É-nos revelado por um dos oficiais presentes em Aveiro que essa ligação foi muito facilitada por uma referência comum: as teses e conclusões do III Congresso da Oposição Democrática.
Poucos poderão dizer que já o saberiam, pelo menos com este detalhe. E muitos dirão talvez que se trata apenas disso: de um detalhe. Mas ele é tão significativo para a compreensão, em várias das suas vertentes, do 25 de Abril que – se tantas outras razões não houvesse – bastaria, por si, para justificar o interesse e a oportunidade da iniciativa da URAP, num momento em que já está em marcha a comemoração do 50º aniversário da revolução. ■