Caldas da Rainha vai candidatar-se à Rede das Cidades Criativas da Unesco apoiada na criação de cerâmica. Receio que esta iniciativa, ainda que aprovada, pouco vá trazer ao que verdadeiramente interessa, a ligação do criador e do seu trabalho artístico ao público. Os caldenses e o público em geral pouco conhecem dos artistas ceramistas que aqui vivem e menos ainda sobre as suas criações. Não existe uma cultura de apetência e não existe uma política proactiva de promoção e exposição da arte cerâmica.
Quando me refiro à apetência do público para a aquisição de obras de autor, reflicto sobre o hábito dos consumidores procurarem nas lojas de decoração, determinados bibelots feitos em grande série no mercado. Na verdade, um desses bibelots em madeira, cerâmica ou ferro forjado, custa tanto nessas lojas franchisadas de decoração como uma obra de autor feita em cerâmica e assinada pelo próprio. E contudo, para além de ser uma peça única, tem um valor intrínseco que lhe permite ser igualmente um investimento, havendo um mercado de arte instalado que permite a sua revenda. Já qualquer um desses bibelots adquiridos por uma ou duas centenas de euros encontrarão como único meio de recuperar o investimento, um desses sites de vendas online onde a sua venda nunca ultrapassará a dezena de euros. Efectuar a divulgação das peças de autor e criar locais de exposição e comercialização será uma das bases da política de investimento no sector.
Curiosamente na nossa cidade são sobretudo os privados a ter consciência do valor da cerâmica artística como forma de criar uma distinção e uma caracterização clara da sua oferta turística. Se queremos ver o que os nossos artistas contemporâneos vivos estão a criar, temos sobretudo que visitar as unidades turísticas de alojamento no nosso concelho e concelhos limítrofes onde essas obras estão expostas. E estou certo que nos dias de hoje existe um turista esclarecido, que vem propositadamente para conhecer algumas dessas unidades de alojamento devido à sua identidade própria, fundada na cerâmica.
É este o desafio da nossa autarquia e de todos os que podem contribuir para o efeito. Hoje o público é atraído pelas magníficas obras de Arte Urbana criadas por grandes artistas plásticos onde sobressaem os nomes de Alexandre Farto (Vhils) e Bordalo II. Autarquias como Coimbra, Estarreja, Covilhã, entre outras, têm contratado vários desses artistas para decorar as suas cidades, sabendo que já são um polo de atracção turistica.
É tempo de embelezarmos a nossa cidade com painéis monumentais de cerâmica nas fachadas dos nossos edifícios. De criarmos a Rota da Cerâmica Contemporânea, levando o público a percorrer a cidade para ver uma exposição ao ar livre e adquirir o gosto pela cerâmica. Ter em casa uma peça original do criador de um determinado painel de cerâmica terá de ser tão apetecível como ter uma peça original de Vhils ou de Bordalo II. É uma tarefa a longo prazo mas longe de ser impossível. A autarquia e o Estado podem tomar a iniciativa de dar os primeiros passos para embelezar os seus próprios edifícios mas também poderão garantir benefícios fiscais proporcionados aos construtores civis que contratem ceramistas para criar painéis de cerâmica exteriores nas fachadas dos imoveis que construírem, sem contar com a natural valorização comercial destes mesmos imoveis. Nunca como agora tivemos tantos e tão bons ceramistas artísticos. É uma geração de ouro na nossa cerâmica que o público desconhece. Porque não lhe foi mostrado, porque falta aos artistas meios para divulgar a sua obra. Se somos a capital da cerâmica temos que começar a agir como tal. Senão, estaremos a construir o edifício pelo tecto.
Paulo Caiado
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