A 10ª edição do FÓLIO arrancou a 9 de outubro, dia em que foi anunciado o Prémio Nobel da Literatura deste ano e que estará em Óbidos. Mas o festival faz-se de muito mais, são 464 iniciativas culturais
Foi com um percurso de manutenção artística, guiado pelos Espacialistas, que arrancou, na tarde de 9 de outubro, mais uma edição do Festival Internacional de Literatura de Óbidos (FÓLIO), que decorre até domingo. “Os Espacialistas dão erros e os erros não podem ser fronteiras”, avisaram, numa alusão à temática deste ano. Minutos depois seria a ministra da Cultura, Margarida Balseiro Lopes, a falar de fronteiras. “Vivemos num tempo em que as fronteiras se multiplicam, sejam elas políticas, culturais ou ideológicas. Um tempo em que o progresso aproxima e separa em igual medida, em que as diferenças se acentuam e, por vezes, se transformam num motivo de divisão. É nestes momentos que a cultura revela toda a sua importância, porque se mantém como espaço de encontro e de partilha”, disse, na cerimónia de inauguração.
E talvez não haja lugar mais simbólico do que Óbidos para refletir sobre o significado das fronteiras, adiantou a governante, referindo-se à vila muralhada erguida para proteger e delimitar o território, e onde nasceu um festival que se constrói precisamente sobre a ideia contrária: a de “abrir a vila ao mundo, de criar ligações onde antes havia distância e de transformar o encontro em ponto de partida para novas formas de pensar e de criar”. A ministra realçou ainda que o FÓLIO “tem sido um espelho daquilo que queremos para o futuro da cultura em Portugal: viva, aberta, participada, capaz de aproximar pessoas e de inspirar transformação”.
José Pinho foi também lembrado pela governante, como por todos os intervenientes na sessão. A filha, Joana Pinho, lembrou que o “José imaginou o FÓLIO com a mesma teimosia generosa com que criou a Ler Devagar” e, uma década depois, o festival mantém-se vivo porque “nos empenhamos em mostrar que as ideias não morrem, Hoje, aqui estamos para continuar a conversa: leitores, autores, livreiros, curiosos”.
Em ano de autárquicas, “talvez seja bom recordar que a cultura não é um luxo, é uma necessidade pública. A cultura abre portas, e é isso que o FÓLIO nos lembra todos os anos. É o exemplo perfeito de como a cultura local pode ter eco global”, salientou a também administradora executiva da Ler Devagar, coorganizadora do festival.
Para o presidente da Câmara, o festival, que em 11 dias junta para mais de 800 autores e artistas e propõe 464 iniciativas culturais, entre debates, lançamentos, concertos, cinema e exposições, “é hoje uma referência internacional e uma prova viva de que a cultura é uma das mais poderosas formas de unir o que por vezes a sociedade separa”. O “fruto maduro” da estratégia “Óbidos Vila Literária”, tem transformado o território num “verdadeiro laboratório de cultura viva”, onde a literatura ocupa ruas, largos, escolas e freguesias. O autarca lembrou que a aposta na descentralização e na participação da comunidade educativa e nas freguesias é atualmente uma “aposta ganha”, realçando que a cultura só cumpre o seu propósito quando chega a todos.
A edição deste ano assinala também os 40 anos da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à União Europeia. Presente na cerimónia, a embaixadora da Comissão Europeia em Portugal, Sofia Moreira de Sousa, salientou que “tanto a Europa como o FÓLIO são projetos vivos, em constante mutação, feitos com as pessoas e para as pessoas”. Já Pedro Rodrigues, administrador da Óbidos Criativa,falou do futuro e da necessidade de pensar o que o festival literário poderá ser. “Óbidos precisa de continuar a ser uma Vila Literária e que o FÓLIO possa continuar a ter espaço”, assumiu. A cerimónia terminou com a apresentação do livro 10 anos de FÓLIO, “uma obra de grande qualidade, de dimensão cultural e que eterniza aquilo que é a primeira década deste festival internacional literário de Óbidos”, resumiu Filipe Daniel.
Ilustradores com “objetos de arte contemporânea”
O coletivo do FÓLIO Ilustra dá este ano rosto à PIM! – X Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo Sem Fronteiras. Fotografias de grandes dimensões dos ilustradores, que personificam figuras de um mundo do imaginário, estão dispostas pelas paredes dos vários andares da galeria. O seu criador, José Aurélio, também está representado, numa edição em que lhe é prestada homenagem. A ligar estes “objetos de arte contemporânea” estão as instalações de Nastya Varlamova, ilustradora russa residente em Portugal. Os textos são do escritor Gonçalo M. Tavares. Na inauguração da mostra, e entrega do Prémio Nacional de Ilustração 2025, a André da Loba, pelas ilustrações do audiolivro “Contos Cantados”, a curadora do FÓLIO Ilustra, Mafalda Milhões, recordou que a mostra deste ano resultou de uma conversa com João Francisco Vilhena, que lhe lembrou um projeto com 25 anos, feito para o Independente. Às imagens juntou-se a composição gráfica feita pelo designer Jorge Silva, também ele retratado na mostra, assumindo a personagem Spock, da série “Espaço 1999”.
A Prémio Nobel da Literatura em 2015, Svetlana Alexievich foi a primeira dos laureados a marcar presença no festival. Na noite de sábado, e perante uma plateia cheia, a escritora bielorrussa mostrou-se “preocupada” com o crescimento do populismo no mundo, consirando que “a liberdade é um caminho muito longo”. “Os ucranianos não lutam pelo seu país, mas para que as tropas russas não cheguem à Polónia e a outros países. Lutam por todos nós”, referiu, lembrando que a Rússia, para ter todo aquele território, ou “estava a lutar, ou estava a preparar-se para a guerra”. Sobre o seu país, e apesar de o exército bielorrusso não estar em guerra, a escritora considerou que estão a preparar a população para esse cenário. “É uma vergonha que façamos tão pouco para ajudar a Ucrânia, mas somos um país ocupado”, dissse, lamentando que a Europa e os Estados Unidos tivessem perdido tanto tempo no início [da invasão da Rússia], em vez de terem enviado armamento à Ucrânia para poder dar uma resposta mais adequada. Para amanhã à noite está prevista uma conversa com o escritor sul-africano J. M. Coetzee, distinguido com o Nobel da Literatura em 2003. O húngaro László Krasznahorkai, que acaba de ser distinguido com o Prémio Nobel da Literatura 2025 estará em Óbidos no último dia do festival, pelas 17h00, a participar numa conversa sobre a “Morte”, juntamente com Lionel Shriver, Rui Cardoso e Isabel Lucas.
Composto por diversos capítulos e com uma multiplicidade de iniciativas, o festival dá também voz aos autores, obras e iniciativas locais. Exemplo disso mesmo foi a apresentação, no Mercado Biológico de Óbidos, na tarde de sexta-feira, do livro “O Sócio”, de homenagem a Amado da Silva, engenheiro agrónomo que se destacou pelo seu trabalho de desenvolvimento da fileira frutícola na região. João Batista, que dinamiza o espaço, lembrou que a agricultura biológica entrou na sua vida há cerca de 30 anos e muito se deve a esse seu amigo. Também presente esteve o amigo e antigo jornalista Vítor Bandarra, que é também bisneto do proprietário do terreno onde nasceu a pera Rocha, em Sintra. Referindo-se a Amado da Silva, caracterizou-o como um “cientista da fruticultura” e um homem multifacetado, bom e livre.
“Neste tempo de intolerância Amado criou grandes amizades sem ter em conta diferenças ideológicas e religiosas, mas com a paixão pela fruticultura”, referiu Sandra Rodrigues, autora do livro editado pela Coopsteco – Cooperativa de Serviços Técnicos e Conhecimento.
Cinema da Amazónia em livro
Na tarde de domingo, a caldense Anabela Roque apresentou o seu livro sobre cinema produzido na Amazónia, intitulado “Virá que eu vi: Amazónia no Cinema”.
De acordo com a autora, que já colaborou com a Gazeta das Caldas antes de iniciar um percurso internacional, a obra surgiu a partir da investigação que está a desenvolver sobre o cinema produzido na maior floresta tropical do planeta e os filmes analisados retratam, por um lado, a devastação da Amazónia e, por outro, a resistência dos povos que a defendem. “O meu objetivo é dar a conhecer diferentes modos de fazer cinema na região, destacando filmes que resgatam fatos históricos ou que revelam problemáticas atuais dos diversos territórios do bioma”, explicou à Gazeta das Caldas. Durante a apresentação, a autora convidou José Luís Almeida Silva, que também esteve na Amazónia, a partilhar a sua experência. “A Amazónia é uma zona que combina a beleza natural com a violência humana em alguns locais”, disse, dando ainda nota da realização de espetáculos, como o do Boi Bumbá (Festival Folclórico de Parintins), que junta milhares de pessoas a comemorar os mitos da floresta.
Ardinas distribuem Gazetas
Mais de três dezenas de alunos das escolas de Óbidos, Caldas da Rainha, Cenfim e Universidade Sénior caldense vestiram-se a rigor e distribuíram, pelas ruas de Óbidos, a edição comemorativa do centenário da Gazeta das Caldas e o suplemento sobre o FÓLIO. A boa disposição e os pregões animaram os transeuntes que receberam, com agrado, o jornal.
De acordo com José Ramalho, ator e dinamizador do happening, tratou-se também de uma homenagem aos ardinas, numa remeniscência da memória até aos anos 80 do século passado. Era então comum ver-se o vendedor de jornais ambulante, que transportava um saco gigante onde trazia as edições dos vários jornais do dia e usava os pregões para os anunciar. “Foi isso que tentámos aqui recriar, e de uma forma muito simples, o pregão que é anunciar os jornais que tinham”, salientou José Ramalho, lembrando que, à época, os ardinas anunciavam toda a variedade de jornais que transportavam. Este era também um modo de vida pois cada jornal vendido, o ardina recebia uma comissão.
Os sacos gigantes de lona, azuis, onde transportavam os jornais foram agora substituídos por sacos de pano vermelhos com o logótipo do centenário da Gazeta das Caldas, criado pelo designer gráfico Miguel Macedo.
Esta interação, que decorreu na sexta-feira e que se repetirá para o final da semana, está integrada no FÓLIO e tenta também “alavancar aquilo que é fundamental para um jornal, que são as assinaturas. Que as pessoas leiam e adquiram o jornal, para que ele possa ter continuidade”, concretiza José Ramalho.



































