Os caloiros e os atrajados mentais

2
6121
Caloiros Caldas
Como há criaturas acéfalas que reivindicam o direito a serem humilhadas (para depois poderem humilhar), é provável que os caldenses continuem a assistir a estes tristes espectáculos de rua | DR

Apareceram de repente, vindos de um qualquer planeta de provável ar rarefeito que asfixia o cérebro e adormece os neurónios. Dobrados em dois, cabeça bovinamente baixa encaixada no traseiro do colega da frente, movendo-se como uma centopeia humana, a coluna vertebral muito próxima da horizontalidade.

Riam-se, falavam, às vezes gritavam, mas eram prontamente mandados calar por uns personagens vestidos de negro, estes em posição vertical, cabeça bem erguida, poses de manda-chuva e o pezinho a escorregar para a arbitrariedade.
Este amontoado de meia centena de seres produzia uma vozearia estonteante, mistura de berros, gargalhadas e uivos.
Dizia quem por ali passou (na rua Sebastião de Lima pelas 23h45 do dia 4 de Outubro), que se tratava de uma praxe universitária: os burrinhos obedientes que circulavam rente ao chão eram os caloiros; os oficiais vestidos de negro que lhes berravam ordens eram os putativos “esadianos”.
Explicava também quem por ali passou, que aquilo não é mais do que uma brincadeira, aceite por todos, que tem o prestimoso objectivo de integrar os jovens recém-chegados à cidade universitária das Caldas da Rainha.
E que, de resto, os caloiros de hoje são os “esadianos” de amanhã, pelo que vale a pena andar de cabeça baixa agora, a fim de ganhar depois o direito a andar de cabeça erguida a gritar insultos e ordinarices aos que hão-de vir.
O sacrifício deve compensar. Os abutres de negro aproximavam-se no porte e na gritaria a oficiais das SS iguaizinhos aqueles que se vêem nos filmes sobre nazis. Mas é tudo a brincar, claro. Afinal não se pode afirmar que em cada um destes valorosos jovens que berram com os que estão de cócoras não exista um Erdogan, um Duterte, ou um salazarzinho escondido.
Mas não há nada a fazer. Isto das praxes não depende de qualquer legislação, nem dos pais dos meninos, nem dos professores, nem da polícia, nem do governo. E também não depende da ESAD pois a esmagadora maioria dos alunos não só não se revê, como despreza as praxes. Afinal Caldas da Rainha não tem tradição universitária, considerando muitos alunos que a ESAD é uma escola livre de praxes.
Só depende dos caloiros que se deixam ou não praxar. Mas como há criaturas acéfalas que reivindicam o direito a serem humilhadas (para depois poderem humilhar), é provável que os caldenses continuem a assistir a estes tristes espectáculos de rua.
Uns – a maioria – ficam indiferentes. Outros, mais inconformados, olham as pobres crianças vestidas de negro e exclamam: “atrajados mentais…!”

2 COMENTÁRIOS

  1. Figurinhas tristes de meninos contentes consigo mesmos, o elitismozinho de quem se acha uma gracinha por ser estudante, por ser parte de uma suposta elite intelectual. É certo que se fazem praxes em outras instituições, mas têm pelo menos a decência de não incomodar as pessoas nos espaços públicos. E depois, vestidos de preto, sem saberem que essa tradição vem dos seminários, dos padres. Palermas. Ignorantes arvorados em sabichões.