Instabilidade do SNS quadruplica viagens aos Bombeiros

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Além do aumento de 10% nas ocorrências, os bombeiros das Caldas viram quadruplicar a distância percorrida este ano por cada ambulância devido ao encerramento de valências do hospital caldense

O ano de 2023 está a ser um ano difícil para os Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha. O dispositivo de incêndios foi especialmente complicado no concelho, mas o principal problema é causado pela instabilidade do Sistema Nacional de Saúde, cujos constrangimentos hospitalares já levaram a que a distância percorrida pelas ambulâncias da corporação caldense tenha quadruplicado em relação ao ano passado.
“A questão da emergência pré-hospitalar tem aumentado bastante. Estamos com uma média de 17 emergências diárias”, refere Nelson Cruz, comandante dos Bombeiros das Caldas da Rainha. Este aumento do número de ocorrências pré-hospitalares vem numa altura de constrangimentos no hospital das Caldas da Rainha, mas não só, o que levanta outros problemas. “Por cada serviço, as ambulâncias demoram mais tempo, devido às distâncias, e naturalmente que isso implica ter mais ambulâncias e mais bombeiros ao serviço”, acrescentou.
Este problema é pior “quando vamos para hospitais distantes. Há aqui um duplo trabalho, porque se deixamos um utente por exemplo em Lisboa, quando tem alta é preciso ir buscá-lo, aumentando a distância e o tempo não só a parte emergência, mas também no transporte de doentes não urgentes”.
“As nossas sete ambulâncias estavam a percorrer cerca de 10.000 a 11.000 Km por ano e, neste momento, estão a fazer cerca de 40.000 km. Há quase um quadriplicar de quilómetros, o que se reflete também no desgaste de material”, refere Nelson Cruz.
“Todos os dias transportamos entre 80 a 100 pessoas para os hospitais para diversos pontos do país, o que também é uma logística enorme e para a qual temos diariamente que ter 20 a 25 bombeiros envolvidos, só nesta área do transporte de doentes. Depois temos sempre entre 10 a 12 bombeiros no pré-hospitalar. E isto é o fixo. Há sempre cerca de 50 bombeiros diariamente ao serviço, ou seja, quase metade da corporação”, diz o comandante. “E não me parece que o futuro seja melhor, até porque esta questão do Serviço Nacional de Saúde vai demorar bastante para ser resolvida”, adverte.
O dispositivo de incêndios florestais também se revelou um desafio para os soldados da paz caldenses, num ano atípico. “Por norma, atuamos mais fora do nosso concelho e este ano foi o contrário”, refere Nelson Cruz.
Os bombeiros caldenses foram chamados para 135 ignições, apenas mais 12 do que no ano anterior, mas em condições mais difíceis. “Enquanto o ano passado tivemos um grande incêndio, este ano tivemos momentos de ter até quatro incêndios em simultâneo, dentro do nosso concelho, a arder com intensidade”, num ano marcado por uma seca extrema e temperaturas elevadas, aponta.
Mesmo assim, a resposta dada foi cabal. “Houve um trabalho bastante efetivo, quer por parte do corpo de bombeiros das Caldas, quer de todos os bombeiros de outros concelhos que nos vieram apoiar. Conseguimos reduzir a área ardida a 22 hectares, sem ferimentos de maior a registar, conseguimos proteger as habitações e os bens das pessoas, o que para nós é o fundamental”, refere Nelson Cruz.
Fora do concelho, os bombeiros caldenses responderam a 53 solicitações. No total, foram 188 ocorrências em incêndios florestais, que levaram a corporação a percorrer 14.300 km, dos quais 10.580 dentro do próprio concelho.
No total, até fim de outubro, a frota dos soldados da paz caldenses já tinha percorrido 634 mil km este ano – o equivalente a cerca de 50 voltas ao planeta – para responder a 9.945 ocorrências, mais 1100 do que na mesma altura do ano passado.
Marcante neste ano foi também o incêndio nos Pavilhões do Parque. “Saímos logo com uma primeira intervenção, muito musculada, e solicitamos logo meios de reforço dos concelhos vizinhos”, o que evitou que os estragos no edificado fossem mais graves.
Este foi apenas um dos 51 incêndios urbanos ou industriais que a corporação já respondeu este ano. Este tipo de incêndio tem, por norma, um maior pico a partir desta fase do ano.
Os bombeiros também responderam a 156 acidentes de viação, dos quais 33 com vítimas encarceradas.
O nível de exigência do trabalho dos bombeiros já levou a tomar a decisão de ampliar o âmbito da equipa permanente de força operacional, comparticipada pela Câmara das Caldas. Estava a fazer serviço de segunda a sexta e vai passar a fazê-lo ao sábado e domingo para reforçar as equipas de serviço.
“Fazemo-lo porque temos o objetivo de responder a todos os pedidos que nos solicitam. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para que nenhum fique sem resposta. Quando isso acontece é sempre porque não há mesmo mais meios disponíveis”, diz Nelson Cruz.
Essa capacidade de resposta é “mérito de todos os profissionais e de todos os bombeiros voluntários que reforçam o serviço e que são garante de que a população tem ao seu dispor sempre um corpo de bombeiros amigo e capaz de dar essa ajuda”, completa.
“Como Comandante, só posso estar feliz e orgulhoso das pessoas que tenho sob o meu comando, pelo trabalho excelente que desempenham”, sublinha Nelson Cruz.
Nelson Cruz lamenta, por tudo isto, a falta de apoio do Governo aos bombeiros voluntários. “Nós somos associações humanitárias de Bombeiros e o Estado Central quer investir em forças que tenha debaixo da sua hierarquia direta”, observou o comandante dos bombeiros caldenses.
Nelson Cruz levanta a questão da viabilidade de ter bombeiros municipais, ressaltando as diferenças entre o apoio financeiro oferecido pelas autarquias e o custo de manter uma estrutura completa de bombeiros voluntários.
“Uma coisa é a Câmara Municipal dar um subsídio e ajudar na compra de um veículo, por exemplo. Outra coisa é uma câmara municipal pagar salário a 40 ou 50 bombeiros, manter a estrutura, manter as oficinas dos veículos, manter tudo isso que esta instituição tem, com um orçamento de cerca de 2 milhões de euros”, enfatizou.
O comandante sublinha o valor do trabalho voluntário prestado pelos bombeiros e a necessidade de reconhecimento desse esforço. “Há aqui um conjunto de verba que é angariada pelo próprio trabalho da instituição e, se quisermos ver só em horas de trabalho dos bombeiros voluntários, estamos a falar de 30.000 horas de trabalho voluntário no qual o Estado não gasta um euro”, acrescentou.
Tratando-se de um serviço público, para o qual não existe alternativa no concelho caldense, e em muitos outros, Nelson Cruz lamenta que o Governo “não tenha um plano de equipamentos para os bombeiros, ou porque é que os bombeiros têm que fazer peditórios na rua e andar a pedir às juntas de freguesia e à Câmara”.
O “esquecimento” do Governo é bem díspar do reconhecimento da população. “É algo que sentimos e nos gratifica muito, sentirmos este cordão humano da população em torno dos bombeiros”, compartilhou. Um apoio que os bombeiros sentem no cortejo de oferendas e que vai muito além do apoio financeiro. “Há aqui de facto algo mais forte do que o próprio valor monetário, que é quando se pergunta à população de qual é a entidade que mais gostam e a maioria das pessoas diz que é dos bombeiros”, acrescentou.
“Mas não deixamos de registar que, se assim não fosse, se a população não gostasse dos bombeiros, e o município e as juntas de Freguesia não reconhecessem o grande trabalho que esta instituição e que estas mulheres e estes homens fazem, não seria possível manter os bombeiros voluntários”, concluiu. ■