45 anos do SNS: Tenha muita saúde e amigos também

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Joana Louro - médica
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Joana Louro
médica

Escrevo no dia em que o SNS cumpre 45 anos. O SNS e eu somos contemporâneos. Talvez por isso a minha relação com o SNS seja tão umbilical… Há pouco mais de um mês comemorei o meu aniversário com a alegria de que a vida deve ser celebrada. Hoje ninguém celebra ou festeja os 45 anos de um SNS… Porque na verdade, resta muito pouco para celebrar.
O SNS foi a maior conquista do 25 de Abril, a par da Liberdade. Tive o privilégio de crescer e valorizar ambos. Com o tempo o SNS tornou-se entidade nacional e património de valor incalculável. E eu tornei-me médica. Médica no SNS. Tentei, varias vezes, a separação. Esforcei-me por sair e ver o outro lado. No entanto, nunca consegui cortar o cordão. Mas também sou utente do SNS e tenho o privilégio de ter, não só, médica de família, mas uma extraordinária médica de família. Tive as minhas duas filhas no SNS, no nosso Hospital.
É certo que nunca a saúde neste pais esteve tão doente… tão a beira do abismo, do colapso. O SNS está desmantelado e destruído, em agonia e numa morte anunciada. Mas esta ideia do SNS moribundo e em crise está-se a tornar demasiado apelativa do ponto de vista politico. Permite a discussão vazia e não resolve os problemas. E mais grave: abre portas para decisões politicas mascaradas pelo ruido de fundo que não estão tecnicamente documentadas, que privilegiam determinados grupos sociais e económicos e que serão irreversivelmente fatais para o SNS.
São muitos os pontos de discussão e de análise. E será impossível uma visão única estratégica de futuro. Ate porque a saúde – conceptual e tecnicamente – mudou muito nestes 45 anos. E agarrarmo-nos ao passado pode ser igualmente infrutífero. Mas não consigo deixar de acreditar – depois de tudo o que vivo e sinto diariamente num hospital do SNS – que as melhores ideias de todas são o estado-social e de providência: não tanto no sentido ideológico mas na prática.
Uma vez ouvi o Miguel Esteves Cardoso dizer: “As nossas famílias só existem e podem existir se não tiverem morrido”. Fiquei a pensar naquilo. A verdade é que saúde e doença vão sempre juntas. E a doença antecipa e facilita a morte. Quanto de gratidão pelos serviços Nacionais de saúde – a esse empenho ideológico e caríssimo- que tratam todos os cidadãos como se fizessem parte deles.
Gosto de acreditar – ate porque sou médica – que devemos as nossas vidas e a vida dos nossos (dos que amamos) aos profissionais de saúde. Mas a verdade é que devemos a nossa saúde, e como tal a nossa vida, sobretudo a decisões politicas tomadas por outros. Por isso, espero mesmo que o SNS tenha muita saúde… mas tenha sobretudo muitos amigos que saibam repensar, reinventar e honestamente restruturar este bem tão valioso para todos nós: a vida! Que no fundo é o que celebramos nos 45 anos do SNS.■

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