A comemoração festiva da memória

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Isabel Xavier
professora

Criaturas condenadas à memória, ela está presente em cada atitude que tomamos, em cada jesto que fazemos, em cada palavra que proferimos, em cada momento das nossas vidas, em cada instante, sempre. Mesmo que não tenhamos consciência disso, ou melhor, mais ainda quando não temos consciência disso. Numa entrevista a Mário Cláudio, Agustina Bessa-Luís, autora muito das minhas leituras, afirmou: “Esquecemos literalmente os primeiros anos da nossa vida, porque são feitos de expansão tão profunda, de amor tão raro que, com a memória deles, não poderíamos viver”. Acredito nisto.
A vida de cada um de nós tem um contexto e ao recordarmos os episódios de que ela se faz, refletimos algo que nos irmana, não apenas com quem viveu o mesmo tempo, mas também com quem tem curiosidade sobre esse tempo, o que alarga bastante o universo de interessados. A frase que nos assegura que “recordar é viver”, só ganha pleno sentido se lhe acrescentarmos uma outra que a completa: “viver é recordar”.
Durante a manhã do passado sábado, em cada esquina, em cada artéria do centro da cidade, encontravam-se alunos do Agrupamento de Escolas Raul Proença, acompanhados dos seus professores. Vendiam produtos de culinária dos seus países de origem, cantavam, dançavam, tocavam instrumentos musicais, representavam cenas de teatro, distribuíam rifas sobre a escola do futuro, alertavam para os problemas ambientais. Em suma, envolviam quem passava numa comemoração festiva da memória. O que estava em causa eram os 50 anos da criação do liceu nos pavilhões do parque, os 40 anos da transição da escola para as novas instalações no Bairro dos Arneiros, quando passou a designar-se Escola Secundária de Raul Proença, e os 10 anos da formação do agrupamento de escolas com o mesmo nome.
À tarde, no pequeno auditório do CCC, numa iniciativa da associação Património Histórico, que contou com o apoio da Câmara Muncipal das Caldas da Rainha e da editora Tinta da China, foi apresentada a obra “Era uma vez Jorge Sampaio”, por João Bonifácio Serra e por José Vera Jardim, amigos e colaboradores do antigo Presidente da República, falecido em 2021. “Como se encarnasse o que de melhor a política significa”, foi a ideia essencial que guardei sobre Jorge Sampaio, após essa apresentação. É extraordinário como alguém pode suscitar, logo após a sua morte, a vontade e a capacidade de congregar tantos testemunhos sobre a sua vida e sobre o modo como tocou essas pessoas. Tudo culminou com a projeção de um conjunto de imagens, publicadas no livro, e que nos mostram Jorge Sampaio nas mais variadas situações.
Falou-se da vida, falou-se da morte, que só assim se fala da vida por inteiro, e foi empolgante ouvir falar de alguém que viveu uma vida que valeu a pena, porque foi uma vida de causas, porque foi vivida intensamente e porque, muito para além da influência inerente às funções institucionais que desempenhou, marcou as vidas de quem o acompanhou de forma tão indelével. ■