Em 1975, Chico Buarque e Maria Bethânia lançaram uma canção – “Notícia de Jornal” – que é uma crítica ao jornalismo e põe em causa a verdade que passa na informação jornalística. Para quem não a conhece aqui vão os versos dessa notícia de jornal.
“Tentou contra a existência // Num humilde barracão. // Joana de tal, por causa de um tal João. // // Depois de medicada, // Retirou-se pro seu lar. // Aí a notícia carece de exatidão, // O lar não mais existe // Ninguém volta ao que acabou // Joana é mais uma mulata triste que errou.// // Errou na dose // Errou no amor // Joana errou de João // Ninguém notou // Ninguém morou na dor que era o seu mal // A dor da gente não sai no jornal.”
Esta “notícia de jornal”, escrita por Chico e Bethânia, critica alguma superficialidade característica de certas notícias, notícias que não conseguem transmitir o que realmente estará na base de um determinado acontecimento, no caso de uma tentativa frustrada de suicídio.
Hoje, o fenómeno da desinformação vai muito para lá da superficialidade informativa denunciada pelos dois grandes cantores e compositores brasileiros quando cantam que “a dor da gente não sai no jornal”. Hoje a desinformação inventa dores que não existem e faz com que essas dores toldem a nossa compreensão da realidade. Hoje também não temos quem componha uma canção de sucesso a defender o bom jornalismo. Hoje o que está do outro lado do bom jornalismo não é só uma informação insuficiente. É principalmente a mentira, a desinformação, os boatos encadeados para manipular sensibilidades e mais facilmente “impor” opiniões e comportamentos.
Hoje, a dor da gente sai no jornal, e nas rádios, e nas televisões e redes sociais. Mas também sai, muitas vezes, distorcida, ampliada, manipulada. Desenhada à medida dos interesses, no mínimo ilegítimos, que serve. É muito mais difícil combater hoje a mentira pois há até quem chame à mentira pós verdade.
Mas hoje como ontem a informação rigorosa e correta é fundamental para consolidar os Estados de Direito democráticos em que queremos viver numa inclusão o mais alargada possível com todos os outros. É isto que realmente pretendemos quando combatemos a desinformação instalada e, infelizmente, promovida com meios quase inesgotáveis. ■
Júlio Roldão, jornalista desde 1977