Miguel Silvestre
gestor
Nos últimos 20 anos são recorrentes as analogias de Portugal como a nova Califórnia. Ainda recentemente o site Los Angeles Magazine escreveu uma peça sobre o potencial de Lisboa (sem saber que já existe uma califórnia nas… Gaeiras). Da área tecnológica à qualidade de vida e onde não faltam os destinos de surf: Ericeira, Peniche e Nazaré. Há indubitavelmente um crescimento de Lisboa na economia digital, mas há que realçar o disparate da comparação de Portugal com a Califórnia. Se compararmos no PIB mundial de 2019, estados americanos e países, a Califórnia seria a 5ª economia mundial! Ficou à frente da Índia e atrás da Alemanha. Portugal, em 74º lugar, ficou à frente de um estado norte-americano, o Alabama…
Posto isto, desçamos à terra, à(s) nossa(s) terra(s) e desafiemo-nos, não com o irreal, mas com a ambição de construir um caminho próprio. Não temos aproveitado o dinamismo de Lisboa na atração de talento e investimento. Só no setor imobiliário o negócio tem gerado negócio. Noutros setores a cadeia de valor está emperrada. E uma das razões é mesmo o pouco valor acrescentado que as estratégias de desenvolvimento regional têm conseguido aportar. Vendem-se ondas, tranquilidade e segurança, mas não comunidades de inovação. Se não tivermos uma visão concertada seremos ultrapassados de forma indelével, a norte e a sul, pelas sedes de distrito e autarquias satélite de Lisboa.
A União Europeia fomentou o conceito de Eurocidades, que tinham como propósito gerar interações no espaço transfronteiriço, numa lógica de cooperação de políticas, gestão eficiente de recursos e equipamentos. É relevante perceber como o conceito poderia ser aplicado numa lógica intermunicipal, por exemplo entre Caldas, Óbidos e Peniche. Uma realidade urbana contígua de quase 90 mil pessoas, com uma ligação costeira, diferentes níveis de produtos turísticos, um centro de investigação do sistema científico nacional, um parque tecnológico, várias entidades de incubação, um hospital regional e uma unidade satélite, uma associação empresarial regional forte e duas escolas de ensino superior.
Acrescentem a esta realidade uma nova camada, onde estes municípios se assumem como uma comunidade de inovação, local de atração de talento e um território pronto para o investimento, através de: i) uniformidade fiscal municipal; ii) concertação intermunicipal dos PDM (não precisamos das mesmas coisas em todos os locais); iii) uma rede de transportes públicos que privilegie quem trabalhe e a mobilidade intermunicipal; iv) Criação de uma federação de associações que articule o trabalho de todas as entidades veículo que gerem programas de empreendedorismo; v) fortalecimento em competências e recursos das entidades existentes, em particular das com ligação ao sistema científico nacional; vi) criação de um programa de apoio ao empreendedorismo que seja uma referência internacional.
Parece muito? Quase nada disto implica um cêntimo a mais, apenas que todos partilhem um pouco do pouco poder que têm e que o devolvam onde deve estar: naqueles que têm a capacidade de fazer diferente. ■