O cachecol do artista | Escola Pública

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A história recente do ensino privado em regime de associação nas Caldas da Rainha assume um conjunto de particularidades que importa recordar. A chegada às Caldas dos colégios GPS coincide com o período em que o regime de associação se torna um negócio, deixando de cumprir a sua vocação supletiva onde o estado não tem oferta, para invadir as zonas do país onde a demografia promete possibilidades lucrativas. Isto, se pelo caminho os “amiguinhos” no governo fizerem o favor de esvaziar as escolas públicas existentes nestes territórios, com a cumplicidade dos “amiguinhos” autarcas como foi o caso em Caldas da Rainha.
Recuemos um pouco para percebermos o processo. Antes da chegada dos colégios estava prevista a construção de uma escola pública. Esta obra já estava adjudicada e prestes a começar quando se descobriu uma dificuldade no projecto: a implantação da obra excedia em alguns metros a dimensão do terreno. Concurso deitado abaixo e com uma choruda indemnização nos bolsos do construtor, passa-se imediatamente à fase colégios GPS. Isto sem qualquer entidade independente ter medido o terreno e comparado com o projecto. Ignorando o facto do terreno ao lado também pertencer, imagine-se, à autarquia de onde se poderia ter anexado a pequena fatia que, alegadamente, faltava. Nos bastidores o negócio GPS estava feito, com a sumptuosa proposta não de um mas de dois colégios. Um construído em zona rural, em A-dos-Francos, outro exactamente no mesmo terreno previsto para a escola pública. Nem se deram ao trabalho de disfarçar.

No início, com o efeito de novidade e algum marketing foi fácil ao projecto GPS atrair as turmas que precisava. A DREL inicialmente, e depois da centralização de serviços feita pelo governo Passos, Portas & Relvas, a DGE lá foram subtilmente favorecendo os colégios, atribuindo-lhes prioritariamente as turmas, que a lei diz que têm de ser atribuídas à escola pública. Para esses (des)governos, como foi explicitado por um adjunto do Director Geral do Ensino em sede de Comissão de Assembleia Municipal, era mais importante honrar os “acordos” com o sector privado do que cumprir a lei. E como uma boa acção nunca fica impune, é bom recordar para onde foram trabalhar certos governantes em fim de mandato. Alguns deles, uns dias depois de subscreverem legislação a favorecerem exactamente os seus futuros empregadores. Nesta fase a censura social, ou como se diz em bom português: a boa da vergonha na cara, estava completamente ausente da preocupação deste naipe de senhores que do governo, às autarquias, às administrações achavam que tudo podiam fazer.
Finalmente temos um governo que quer cumprir a lei. Ou seja, atribuir as turmas às escolas da rede pública, e só depois às escolas em regime de associação. Horror! Tragédia! Calamidade! Gritaram os interesses instalados, dramatizando, de forma a envolverem os pais, os professores e até os alunos em torno do seu projecto de ensino. Mas qual projecto de ensino, perguntamos nós? O que segrega alunos? Que rejeita os oriundos de bairros problemáticos, ou famílias desfavorecidas? Que convence os alunos mais fracos a não irem a exame com a turma e a proporem-se individualmente para não prejudicarem o sacro-santo ranking da escola? Que abusa de professores e funcionários, exigindo horários dementes que ninguém reclama com medo de perder o emprego? Que deslocaliza professores para outros colégios a centenas de quilómetros para os levar a rescindir, e contratar jovens acabados de licenciar por menos ordenado?
Uma palavra final aos alunos: Se tiverem de ir para a escola pública não tenham medo. Já aconteceu com outros colegas. E foram lá muito felizes e melhor preparados para os desafios da vida.

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