Lá diz a nossa sabedoria popular que a vida são dois dias e o carnaval são três. E a Festa do Avante também. E se o Natal é sempre que o homem quiser, mas dura no mínimo até aos Reis, podemos dizer, sem grande margem de erro, que vivemos numa equação impossível. Sobretudo em fases de maior azáfama em que as habituais três semanas entre crónicas se esgotam num ápice, como as finas areias das dragagens da Lagoa a escorrer entre os dedos e também num ápice a voltarem ao lugar onde são mais felizes – ao leito da Lagoa, de onde aparentemente não querem sair.
Mas enfim, o tempo esgota-se depressa e é como costumava dizer um velho amigo de outros tempos: o único capital que nunca se recupera. E eis-nos chegados aos Reis, altura em que se retiram as decorações natalícias, em casa e na rua, e se apagam as luzes que iluminaram a cidade durante a quadra. Agora, a bem da transparência, seria óptimo que a CMCR e a Associação Comercial viessem prestar contas deste investimento. Ou seja, depois do discurso do convencimento, do optimismo, do “é bom para as Caldas…” que nos dêem dados em concreto dos resultados deste avultado investimento. Respondendo a algumas perguntas simples: quais foram os efeitos na economia local? Qual foi o aumento de vendas do comércio em geral? Quantas refeições mais serviram os restaurantes caldenses? E os hotéis, quantas mais noites venderam? Houve algum efeito nos indicadores do emprego? Houve alguma baixa no desemprego, ainda que sazonal?
Uma resposta objectiva e este conjunto de questões podia tornar o investimento mais transparente e contribuir para a sua legitimação junto de todos os caldenses, que de outro modo ficarão convencidos ou não da sua validade por uma questão de afinidade ou de fé. É que isto é tudo muito bonito até um dia alguém se lembrar de nos vir dizer que andámos a iluminar acima das nossas possibilidades, e apresentar uma factura paga em mais cortes de funções públicas indispensáveis ou no desaparecimento daquela parte do orçamento municipal destinado a questões sociais. Que já não é assim muito generoso, veja-se p. ex., a total ausência de políticas de habitação social.
Mas numa cidade tão iluminada nesta quadra, o ano não acabou sem uma ponta de fina ironia que é a venda do actual edifício da EDP ao Montepio Rainha D. Leonor. A notícia não é boa nem má em si. Depende apenas do ângulo de onde lhe apontamos o foco, para mantermos isto num imaginário iluminado. Se quisermos ver pelo prisma da afirmação de uma instituição local, com um peso histórico, económico e social em Caldas e na região, que vem reforçar a oferta dos cuidados de saúde e assim também reforçar essa vertente na identidade caldense, tudo bem – tudo óptimo, mesmo. Mas se quisermos também podemos ver o reverso desta medalha: este investimento privado resulta do desinvestimento público no SNS, nomeadamente na (in)decisão política de avançar para a construção de um novo hospital que sirva toda a região do Oeste Norte. Vistas as coisas assim, o prisma já não é tão luminoso, uma vez que o SNS é para nos servir a todos, e a clínica do Montepio é (cada vez mais) para quem pode pagar. Mas se quisermos ver ainda uma outra perspectiva, podemos colocar a questão: com este investimento o Montepio ainda manterá a vontade, e a capacidade, de ser o parceiro que a CMCR tanto deseja para a reabertura do Hospital Termal?
Voltando a questão do investimento recorde deste ano na iluminação, e colocando a questão de uma forma muito objectiva: justifica-se tanto investimento em iluminações de natal, para daqui a poucos dias voltarmos a ter uma cidade mal iluminada o resto do ano? E voltando à habitação social: justifica-se tanta iluminação de natal, numa cidade com dezenas de pessoas sem abrigo, a pernoitarem nos edifícios abandonados em frente à EDP? Ao frio e às escuras.