CAIXA NEGRA. REFLEXÃO SOBRE A VIDA E A MORTE DA CULTURA NA CIDADE

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CARLA BRANCO – “Il faut être léger comme l’oiseau, et non comme la plume…”

O Caixa Negra entrevistou Carla Branco, empresária do empreendedorismo criativo em 2017. Para quem convive um pouco com esta socióloga, que é acima de tudo uma apaixonada pela vida, entenderá o que quero dizer com as palavras de Italo Calvino em 6 Propostas para o Próximo Milénio, a propósito da Leveza. Se essa existe em algum dos seres que entrevistei no Caixa Negra, esta Senhora é certamente um deles.
O empreendedorismo que aos dias de hoje está tão em voga, ou a bela arte do self made business, vulgo desenrascanso, dada a escassez de oportunidades de trabalho, mas acima de tudo pela modernidade que aos dias de hoje nos leva a acreditar, que perseguir os nossos próprios sonhos em Portugal, não só uma necessidade, mas acima de tudo uma obrigação para se poder ser Feliz. Se existe pessoa leve como um pássaro, tal como Italo menciona, aquele que suporta o seu próprio peso, e não como uma pena, que separada do seu próprio corpo se deixa levar pelo vento e cair em terra, poderá ser esta empreendedora, que faz da tarefa do empreende-dôr, um voo fácil num céu aberto em dia de sol nas madrugadas radiantes de que ela tanto gosta. Essa obrigatoriedade de lutar pelo bem próprio, com a certeza da permanente decisão sustentável do ser humano, é a palavra de ordem de uma poeta, que sendo socióloga, nos catapulta para o risco do vazio, sentido a sua mão firme de mãe e amiga sempre por perto, e que acima de tudo nos faz sonhar com o impossível, aquele que apenas acontece para quem se arrisca a acreditar.

Se me perguntarem se eu aconselho alguém a ser empreendedor, eu provavelmente terei as minhas reservas, fruto da minha própria experiência e de saber o custo da liberdade, essa tal que é tão preciosa como a própria vida, e que quem a não tem, se arrisca a passar a vida em branco. No entanto e porque temos de ser realistas, o empreendedorismo não é para todos. O empreendedorismo é para quem tem fé, para quem arrisca dar o passo no vazio, é para quem sonha ainda assim, no pragmatismo de pagar as contas ao final do mês, é para quem tem a liberdade e as costas quentes de poder dizer “Eu sou capaz” e essa certeza apenas surge quando as noites e os dias são uma só paixão, e quando temos alguém por perto como esta poeta, sonhadora, resiliente e máquina profissional que nos mostra e diz “Vem comigo, que por aqui a luz tem mais brilho, e o sonho pode mesmo tornar-se realidade”.
E aqui Italo Calvino surge novamente com a sua poética em dizer que a sua primeira Proposta para o Próximo Milénio, escrita a 15 anos do inicio do século XXI em 1985, a propósito da Leveza “Se quisesse escolher um símbolo votivo para entrar no novo milénio, escolheria este: o ágil salto repentino do poeta-filósofo que se eleva sobre o peso do mundo, demonstrando que a sua gravidade contém o segredo da beleza, enquanto a que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, ruidosa, agressiva, devastadora e tonitruante, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis ferrugentos”.
Jamais em tempo algum estas palavras foram tão sérias e tão pesadas para todos aqueles que sentem a obrigação de ser felizes, e que procurando não ficar em Branco, procuram a Carla, que nos empurra para um céu aberto, provavelmente porque na Partnia, tal como Italo Calvino diz, não há lugar para carros ferrugentos.
A Carla Branco pode ser encontrada num espaço onde se pode sonhar, na Partnia,
no edifício dos SILOS na Rua Filinto Elísio, Moagem CERES, 4º Piso.

Mariana Calaça Baptista
info@marianacalacabaptista.pt