“Quem tem coragem de ser feliz pode mesmo conseguir”. Foi assim que começou a entrevista a Inês Fouto para o Caixa Negra numa entrevista para a Mais Oeste Rádio. Inês é atriz e faz do teatro a sua vida dentro e fora do palco. Nas palavras de José Gil em Portugal Hoje, o medo de existir, o autor refere este propósito que deu o mote para esta conversa. “Estamos fora da vida, dentro dela: “É a vida” É esta mistura confusa de transcendência-imanência da nossa vida à Vida que provoca um nevoeiro no espirito.
“Ao assistirmos no Telejornal aos desastres da humanidade, o telespectador confronta-se com o anjo e o demónio da humanidade. A crise do Afeganistão e os migrantes que morrem no mediterrâneo, partilham o mesmo tempo de antena do Panda que nasceu no Zoo de Pequim. O apresentador sorri largamente, chega mesmo a piscar o olho ao telespectador. Depois das imagens de futebol, remata enfim com um tom sábio: “É a vida”.
Mas o que será que faz de nós esta multiplicidade?”
Inês explica como o teatro nos confronta com a instabilidade de nós próprios e como nos faz sair da nossa zona de conforto e entender que a vida não é monocórdica mas sim instável e periclitante. A necessidade de ultrapassarmos o ridículo das nossas próprias falhas que todos nós vivemos no quotidiano, através de um distanciamento de nós mesmos, pode ser vivido através da experimentação do palco. Existem mesmo dias da nossa vida que davam um filme trágico ou de comédia. Mas o que é isto do teatro? Inês responde: “Teatro é contar histórias. É esta coisa da memória. Reatar a nossa memoria e o nosso património. Para mim fazia muito sentido o Teatro porque a memória somos todos nós. Somos a memória do mundo.” Apaixonada por Caldas da Rainha e pelo seu património, Inês tem vindo a contar a história da cidade, nos seus projetos, seja a história de Bordalo ou dos seus personagens que encontram no seu projeto Alter Egos de Bordalo, mais as histórias que ficcionam a relação do artista com personagens suas contemporâneas.
Se é urgente contar histórias para que não esqueçamos a genialidade e a bestialidade do ser humano, então o teatro é experimentação e permite-nos testar os nossos limites, entender essa dicotomia que faz de nós diversos e tão plenos de complexidade.
O teatro espicaça o outro para a instabilidade, para que saia da sua zona de conforto e possa experimentar visões de si próprio no outro, pois é assim que nos descobrimos na diversidade e multiplicidade.
“A vida é uma mistura de bem e de mal, o homem está entre a besta e o anjo, e isto constitui a essência do mundo, que foi, e será sempre feito dessa massa.”(Gil, 2012). A pergunta que se lança será se cada um de nós coabita com esta dualidade e de que forma se consegue afastar da sua própria autocritica. O ser humano está habituado a ser uma coisa ou outra coisa, pois não há espaço na sociedade para experimentar essa dualidade, pode-se mesmo dizer que essa condição nos afasta do verdadeiro conhecimento do ser humano, e da própria plenitude.
“Ao supor a harmonia preestabelecida segundo o bom senso (o bem e o mal equitativos no mundo), a norma impõe limites negativos ao pensamento (exclui o excesso, o desequilíbrio, o anormal), sem que se veja bem como induz ao mesmo tempo uma certa orientação na maneira de pensar. Ou seja: a norma oferece também conteúdos positivos?”(Gil, 2012) E o Teatro ajuda-nos a experimentar e a encontrar no bom senso do confronto com o outro, que o bem vinga quase sempre, pois a felicidade está em proporcionarmos ao outro um sorriso e a hipótese de um momento feliz, que a nós nos engrandece e dá sentido à vida no sorriso e na harmonia.
Numa cidade como Caldas da Rainha, o espaço de experimentação pode ser encontrado no projeto Cenas de Teatro com sede na Rua Almirante Cândido dos Reis, nº 71 em Caldas da Rainha.