O foguetão caldense

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Há perto de 50 anos vivia-se em todo o mundo a epopeia espacial. A ida à Lua apaixonava multidões, no planeta  (e o caso não era para menos;  ainda hoje colocar um homem na Lua é um feito notável). A corrida espacial, travada entre americanos e russos impulsionava a ciência ligada ao espacial, como nunca antes se vira. Mas se a população, de um modo geral, dedicava grande atenção à epopeia (havendo até, por parte dos mais velhos, sobretudo,  quem duvidasse da veracidade da ida à Lua, alegando que tudo aquilo não passava de uma montagem cinematográfica), a juventude, de um modo geral, como é natural, mais idealista, sonhadora, andava frenética com toda aquela grande aventura da Humanidade.
Cá pelo nosso país, vivendo debaixo da pata da ditadura e da censura salazarenta, até pela falta de outras notícias aliciantes que aliviassem aquela farsa “fascistoide”, daquela  pressão do regime, do ditador de Santa Comba,  o entusiasmo era enorme. E assim sendo naquela década de sessenta do século passado, eu e um grupo de estudantes da Escola Comercial e Industrial Rafael Bordalo Pinheiro, começámos a gravitar em redor do cientista de serviço, o então jovem Carlos Dias, actual ilustre jornalista de um jornal de Beja e correspondente do Público naquele “burgo” e do seu circundante Alentejo profundo.
O Dias não parava e dava mais gás o nosso sonho.  Sonho de um pequeno grupo de camaradas entre os quais eu me encontrava,  conjuntamente com o Rogério Guimarães, penso, também,  que com o Mário Lino, o Leitão e outros, de que já não tenho memória.  O Dias lia e mostrava-nos tudo o que podia sobre ciência espacial e ficção científica; e, seguindo a tendência que em muitas escolas e liceus, de Portugal fazia caminho, de proceder a experiências de lançamento de foguetões miniatura,  galvanizou-nos para um projecto do mesmo tipo; um projecto  caldense, da nossa Escola Comercial e Industrial.
Resolvido um dos problemas essenciais, que era o do combustível da “nave”, que teria de ser importado dos Estados Unidos da América, que o Dias se prontificou a encomendar, convenceram-se uma série de professores, sobretudo mestres das serralharias e o próprio Director, Dr. Leonel Sotto Mayor, para a bondade do projecto. Começou-se, pois, com muito entusiasmo, nas serralharias da Escola,  a construção daquele que seria o primeiro e penso que único foguetão caldense. Com ironia e graça, poderei dizer que eu e mais todos aqueles referidos companheiros fomos pioneiros e lançámos as Caldas na corrida espacial.
Tenho ideia que a pioneira nave caldense teria uns sessenta ou setenta centímetros de altura e se constituía por um motor, que funcionava como foguete, um motor a jacto, em duro alumínio, de pequena dimensão, onde se metia o combustível (que eram, se bem me recordo, uns pequenos cilindros vermelhos, como já disse, vindos directamente dos Estados Unidos). Rodeava o motor, que não teria mais de dez centímetros de cumprimento, então, a fuselagem,  da dimensão que atrás descrevi, que na parte superior se constituía por um cone, que era uma peça independente do cilindro,  que compunha o resto da dita fuselagem.
Para maior sofisticação do engenho,  estava previsto que, lançado o foguetão e atingindo este a sua máxima altitude,  o cone cimeiro funcionaria como cápsula, que se separava e que voltaria à terra amparada por um pequeno pára-quedas.
Concluída a construção do aerodinâmico veículo, aprazou-se para um sábado à tarde o lançamento. Nesse dia juntou-se uma pequena multidão expectante, constituída por alguns professores, entre eles o digníssimo Director, mas sobretudo entusiasmados alunos, jovens, como eu. A rampa de lançamento tinha um ar algo primitivo, que, desde logo, me fez temer pelo êxito daquela nossa pioneira, em termos caldenses,  experiência espacial.
Ateado o combustível, quase de imediato ouviu-se um enorme estouro, que a todos muito assustou. E o caso não era para menos pois muita sorte houve em que nenhum dos espectadores ou “cientistas” apanhassem em cima com fragmentos do engenho, cuja fuselagem se desfez em pedaços.
Mas nem tudo falhou. A cápsula, com a explosão, cumpriu o seu desiderato – separou-se, atingiu alguma altura e aterrou suavemente, tal e qual o previsto,  apoiada pelo seu apenso pára-quedas.
Recordo-me que o Director, o saudoso Dr. Sotto Mayor, que era ligeiramente corcunda, mais corcunda ficou e pôs-se desde logo a milhas, em profundo silêncio, marcado pela desilusão, daquele nosso fiasco.

Fernando Rocha

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