Crónica do Québec (Canadá)

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A nossa vez

Sou dos que pensam que a opção de deixar o conforto e a segurança que nos proporcionam o local onde nascemos deve ser tomada no início da vida activa, altura em que as responsabilidades familiares e outras são mínimas ou nulas.
A minha estadia de 12 meses em Angola, entre Outubro de 1974 e Outubro de 1975, no ramo da Administração Militar (dizia-se na altura Vague-Mestre), apesar de curta, foi uma riquíssima experiência em termos de vida vivida onde eu, e todos os meus jovens camaradas afinal, fomos colocados perante situações para as quais não estávamos mínimamente preparados. Estou aqui a pensar na capacidade de um  jovem de 23 anos em fazer face a todas as pressões que recebia dos seus fornecedores, maioritariamente adultos civis, e experientes. Geria  os custos das despesas em alimentação de cerca de setecentos homens, tantos quantos tinha o meu batalhão. As oportunidades para entrar por caminhos dúbios eram constantes e um dos meus colegas acabou por pagar um momento de fraqueza com perca de liberdade temporária. O serviço era no entanto feito num sistema de rotação e as responsabilidades repartidas com os meus três outros colegas das outras Companhias.  Nos periodos em que não estava ocupado, e apesar da situação na cidade de Luanda não ser a melhor, aproveitava  para desfrutar das maravilhosas praias da zona. Tratei ainda de obter dois documentos que se revelaram de grande utilidade após a tropa:  a carta de condução e, sobretudo, o passaporte.
Regressado à Europa a 5 de Outubro de 1975,  depois de uma rápida olhadela pela conjuntura do momento, não fiquei muito tempo indeciso e tratei de obter um bilhetinho económico na garagem dos Claras (a Rodoviária da altura…já que essa coisa de Low Cost Airlines não existiam  nem em sonhos….) para Paris.  Fazia assim o caminho inverso de todos aqueles que, durante a ditadura, tinham desertado do serviço militar, tendo regressado após a Revolução de Abril.  Hoje sei que a minha escolha de Paris se deveu apenas a razões sentimentais. É que naquela cidade, no Neuvième Arrondissement vivia na altura uma garota que conhecera dois anos antes na duna da praia de Salir.  As férias na Cidade Luz foram curtas (os escudos valiam bem menos do que a propaganda salazarista nos fazia crer) mas intensas, como é fácil imaginar.

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Em determinada altura terei mencionado à tal garota, que, depois de sentir o pulsar da cidade durante aqueles dias maravilhosos, por entre despreocupadas deambulações nos Champs Élysées, ou subindo e descendo a escadaria de Montmartre com os seus pequenos e típicos cafés, pintores de rua (para mim novidade absoluta) sempre  prontos a trocarem os seus talentos contra alguns francos,  primeiras visitas de museus que até aí apenas conhecia dos livros, ou concertos musicais com os nossos ídolos da época, era normal que achasse tudo maravilhoso.  Afinal, e pela primeira vez, estava de férias.
Mas aquela garota que já por lá andava há uns anos, e já estava na altura no mercado do trabalho  fez-me sentir que a vida de um imigrante em França era tudo menos fácil. E até havia aquele pormenorzinho que me irritou sobremaneira:
–  todos os anos e numa data pré-determinada, era obrigada a passar pelos serviços de imigração para validar a Carte de Séjour.  Sendo Portugal hoje, parte duma Europa unida, imagino que isto faz parte do passado, pelo menos no que aos portugueses diz respeito.
Foi assim que, num misto de tristeza e compreensão, ouvi a sentença. Não seria em Paris nem na França, que representaram para mim durante aquela pequena estadia, tudo o que de melhor um  jovem poderia ambicionar, que a nossa aventura da vida se passaria.  Como os meus pais já desde 1972 viviam no Québec, porque não tentarmos o Canadá ? E sabes, dizia ela,  eu até gosto muito da música que eles lá fazem e  nomes como Gilles Vigneault, Robert Charlebois ou Félix Leclerc são muito apreciados aqui em França. Porque não ouvi-los no local onde eles obtêm a inspiração para as magnificas obras que  produzem?
A decisão estava tomada. Seria no Québec, que a aventura da nossa vida se  iria iniciar. Algo contrariado lá voltei a tomar de novo o autocarro na viagem de regresso, para uma curtíssima estadia de alguns dias no Chão da Parada.  Abreviada ainda pelo facto de, entretanto, minha mãe ter aqui sofrido um gravíssimo acidente de automóvel. No início do mês de Dezembro desse ano de 1975, após sete horas num avião da TAP, chego àquele que era na altura um dos melhores e maiores aeroportos do planeta (o acabadinho de inaugurar  aeroporto de Mirabel,  projecto megalómano  de Pierre E. Trudeau, Primeiro Ministro do Canadá na altura, francófono,  idolatrado pelos anglófonos e detestado por muitos francófonos. Hoje o maior Elefante Branco do Canadá  encontrando-se encerrado). Deixei as instalações aeroportuárias numa imensa viatura fabricada pela GM,  por entre muito frio,  muita neve e larguíssimas auto-estradas. Senti a América. Passaram-se trinta e seis anos. Não estou arrependido.

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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