Com o agudar da crise económica em Portugal, só alguém que ande muito distraído não se apercebe, e não se sente incomodado pelo sentimento de desconfiança, que, segundo alguns, poderá mesmo pôr em causa a representatividade da classe política do país. Ainda muito recentemente um dos históricos (designação que não tem equivalente com o sentido que lhe é dado, por estes lados) do Partido Socialista português, acusava a máquina partidária de se portar como um polvo (aqui, sinónimo de Máfia) gigante, cujos tentáculos se iniciam no vértice da pirâmide partidária, e descem até às bases, constituídas pelos dirigentes autárquicos e por último, ao membro anónimo do partido. Toda esta situação, criou casos de enriquecimentos demasiado importantes e rápidos de alguns membros da classe política, que no contexto da actual legislação lusitana podem ser acusados de numerosos ilícitos, mas que jamais serão incriminados no quadro da actual legislação, perfeitamente inadequada a este novo tipo de crime.
Na sociedade canadiana por via da forma como a actividade partidária está organizada, os tentáculos do «polvo» serão sempre mais curtos do que num país como Portugal. Assim e passo a explicar, aqui, os partidos políticos dos diferentes níveis governamentais, desde o Federal, passando para o Provincial e por fim Autárquico não têm qualquer ligação entre si. O nosso Primeiro Ministro Federal, (e vou identificá-los como aqui se usa, sem os respectivos títulos profissionais) senhor Steeven Harper, é chefe do partido Conservador Federal, de direita, partido que nem sequer existe na Província do Québec com esse nome. O nosso Primeiro Ministro Provincial, senhor Jean Charest, é chefe do partido Liberal provincial, de centro direita. Apesar do partido de oposição federal se chamar exactamente Partido Liberal, a única relação entre os dois, federal e provincial, é unicamente e apenas, terem o mesmo nome. Ainda na província, os dois partidos de oposição, o Partido Quebequense (québecois), mistura de várias ideologias e independentista, e a Acção Democrática do Québec, conservadora e autonomista, apenas existem na nossa província. O mesmo se passa nas outras províncias, com a excepção da existência de partidos autonomistas, exclusividade nossa.
Mais próximos das populações, nas autarquias, a situação ainda é mais digna de nota, pois os partidos existentes, por exemplo na cidade onde vivo há quase trinta anos, Longueuil, situada na margem Sul do rio São Lourenço (uma espécie de Barreiro relativamente a Lisboa) não têm qualquer relação com os partidos autárquicos de Montreal, como a não têm igualmente com os partidos autárquicos das pequenas cidades vizinhas, onde estes pequenos partidos aparecem e desaparecem ao ritmo das eleições.
Esta vida efémera dos partidos, ou antes, grupos partidários, sobretudo autárquicos, não impede no entanto que, durante o pouco tempo em que estão no poder criem ligações ao mundo dos negócios com muitos favorecimentos, concedidos sobretudo à indústria da construção, que é a que mais beneficia com os contratos de infra-estruturas governamentais. O último escândalo que saiu para as páginas dos jornais e outros media foi o caso dum construtor milionário, Tony Accurso, que pôs à venda através da internet um iate de luxo de 36,58 metros, o Touch, por «apenas» 7,9 milhões de dólares americanos. O Touch, de 131 toneladas, ficou tristemente célebre por ter permitido a dezenas de funcionários municipais e a muitos chefes sindicais de, nele terem passado diversos periodos de férias, num luxo inimaginável e inacessível para o contribuinte médio quebequense, sempre à custa dos nossos impostos. No entanto, a justiça funcionou, e duas das empresas de Accurso acabaram por ser julgadas e condenadas por evasão fiscal, o que obrigou o «pobre» construtor civil a vender o seu «barquito».
Se estas situações existem, e são do conhecimento público, numa situação em que, como disse acima, os partidos aparecem e desaparecem rapidamente, não é difícil imaginar o que se passa em Portugal onde, (nem queremos imaginar como seria nos tempos da ditadura !) depois da Revolução de Abril e desde o topo até à base da pirâmide, os partidos são praticamente sempre os mesmos e o número dos seus membros, na grande cidade como na pequena povoação são de tal ordem que ultrapassa todo o entendimento. Daí até à corrupção vai um pequeno passo de criança. Sabendo o corrupto que pode continuar a invocar o ónus da prova, para não dizer de onde lhe vem o enriquecimento, por que razão haveria ele de deixar de continuar a corromper ? A solução deste problema passa pela criação duma legislação adequada, que seja favorável à inversão do ónus da prova. Até lá, o corrupto continuará a corromper e a enriquecer, e a imagem que Portugal passa para o exterior, acaba no final por afectar tudo e todos, mas sobretudo os que, por opção ou mera inabilidade ficam de fora do «polvo».
J.L Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca
Bravo Sr. José Alexandre
Muito bem explicada a comparação entre os partidos políticos portugueses e os do Canadá.
Corresponde exactamente à verdade.
Eu moro em Montréal (Canadá) desde 1973
Um abraço