Paradigma
Assisti, há dias, a um colóquio sobre a crise e suas origens, promovido pela comunidade paroquial da Foz do Arelho. Excelente iniciativa, com muita e diversificada assistência. Ficou clara a saudável divergência de opiniões entre os principais oradores, replicada nas intervenções do público presente: uns acusando o “neoliberalismo” americano e clamando pela intervenção ampla do Estado, outros apontando as debilidades internas e apelando à iniciativa e responsabilidade dos cidadãos. Reflexo da tradicional fractura esquerda-direita, ou da dicotomia externo-interno do “locus de controlo”( Grau em que o indivíduo considera que o que lhe acontece na vida é ou não consequência das suas acções), determinando dois quadros mentais de leitura e gestão da realidade?
Revejo-me essencialmente na segunda das perspectivas, não por razões meramente ideológicas, mas pela análise atenta do que vai acontecendo no país: as debilidades estruturais da economia portuguesa já cá estavam antes da crise internacional nos afectar e a primeira dessas debilidades, aquela que, na minha opinião, determina todas as outras, é a cultura societal e organizacional dominante. Na verdade, a falta de competitividade e de preparação da nossa economia para enfrentar a crescente concorrência internacional, é reconhecida há pelo menos duas décadas. Michael Porter, um dos maiores especialistas mundiais em estratégia foi, na altura, pago a peso de ouro para nos recomendar medidas concretas e urgentes a tomar. Não tomámos.
Por outro lado, no que à cultura diz respeito, recordo o trabalho do eminente académico Geert Hofstede, o qual traçou nos anos 70 o perfil dominante da cultura portuguesa (entre 74 culturas nacionais e regionais estudadas): elevada aceitação do poder e da desigualdade (PDI – Índice de Distância do Poder), elevada pertença e integração grupal (IDV – Individualidade), reduzida assertividade e competitividade (MAS- Masculinidade), reduzida propensão ao risco, incerteza e ambiguidade (UAI – Índice de Evitação da Incerteza) e maior preocupação com a tradição e imagem do que com a ponderação e perseverança (LTO – Orientação de Longo Prazo). Na figura 1, comparam-se as culturas portuguesa e europeia nos primeiros quatro traços.
Há cerca de oito anos, a consultora Ad Capita IS e a Cranfield School of Management publicaram um estudo conjunto sobre a competitividade da gestão portuguesa, concluindo que ela é pobre, desorganizada e ineficaz: temos demasiada burocracia e improvisação, falta-nos pensamento estratégico e orientação para o cliente, comunicamos e trabalhamos mal em equipa, gerimos mal o tempo e não assumimos as responsabilidades, sendo estas conclusões partilhadas por gestores portugueses e estrangeiros a trabalharem em Portugal. O estudo não esclarecia, contudo, a dúvida subsequente: se temos consciência das nossas fraquezas, porque não as superamos?
Relativamente ao pressuposto desta pergunta, não estou certo de que tenhamos todos plena consciência da natureza e origem do que está mal, pois tendemos a culpabilizar os outros e a comprar ilusões. O problema maior reside, no entanto, na nossa resistência à mudança. Sendo a cultura um modo colectivo de pensar, sentir e agir, é nestas três dimensões que a mudança deve ocorrer, permitindo-me destacar a primazia da vertente emocional. É no domínio da confiança social, da auto-estima e da empatia que reside o nosso maior desafio, vindo depois o da formação e qualificação e, finalmente, o da vontade e oportunidade de mudar. Com a consciência de que existe um modo de ser português, cujos traços positivos devem ser valorizados e os negativos condicionados.
Como enfrentar estes desafios, o que pode determinar a mudança cultural necessária? Estou convicto de que o factor essencial é a competitividade. Precisamos urgentemente de ter um ambiente mais competitivo no país e nas organizações, em todos os sectores e a todos os níveis, incluindo nos domínios da liderança e da gestão. Precisamos de reduzir radicalmente a burocracia, o proteccionismo, o compadrio e a corrupção, defendendo a concorrência, a transparência., a iniciativa e o mérito. Precisamos de atrair, apoiar e motivar pessoas com um perfil de excelência, cultura progressista, mente aberta, visão e competência, que nos ajudem a “sair do quadrado”. Não se trata de apelar a putativos iluminados que venham impor-nos um mundo perfeito, mas sim de exigir maior responsabilidade a nós próprios e a quem nos dirige, envolvendo-nos decididamente na determinação dos destinos do nosso país e das organizações a que pertencemos. Isto assusta e penaliza quem está instalado e acomodado? Talvez, mas tem de ser.