Ferrovia
Li, com atenção, a entrevista dada pelo novo presidente da CP a este semanário, esperando nela encontrar, finalmente, respostas concretas e fundamentadas para as muitas perplexidades com que os oestinos, e em especial os caldenses interessados no transporte ferroviário, se confrontam relativamente à linha do Oeste. O resultado traduziu-se, mais uma vez, numa enorme desilusão, tal como já acontecera com as declarações da administração da Rodoviária do Tejo, também aqui publicadas há algumas semanas.
Parecem, aliás, farinha do mesmo saco, na vacuidade das afirmações produzidas e na sistemática fuga às responsabilidades. Até a tentativa de justificação das unidades de negócio da CP foi insuficiente para explicar porque é que no troço Caldas-S.Martinho se paga um preço diferente em cada sentido.
Resumidamente, o presidente da empresa diz que a linha existente não permite qualquer melhoria no actual serviço, estando a parceira Refer a estudar a modernização da linha a longo prazo, nomeadamente a sua duplicação e electrificação. Toda a entrevista se esgota na justificação desta posição, avançando-se duas razões principais: a falta de procura do serviço ferroviário, explicada pela concorrência da rodovia, e o facto de a linha ser de via única, com distribuição irregular das estações ao longo da mesma. Entretanto, uma entrevista vale, não só pelo que se diz, mas também por aquilo que não se diz, e nela nada se esclarece sobre os sempre adiados planos de modernização da linha do Oeste, sobre as promessas falaciosas do primeiro-ministro aos oestinos, ou sobre os indicadores de qualidade do serviço actualmente prestado, não se vislumbrando a mais ténue preocupação em procurar servir melhor as populações.
Relativamente às limitações da infra-estrutura, o presidente da CP usa meias verdades e contradiz-se em várias ocasiões, acabando por admitir que a actual linha tem uma taxa de ocupação de apenas 52%, estando praticamente inactiva entre o início da manhã e o final da tarde, atribuindo esta ineficiência à suposta baixa procura. E é aqui que “a porca torce o rabo”. Haverá, realmente, falta de procura? Se há, quais os motivos? Na verdade, a CP nunca divulgou qualquer estudo que confirmasse esta afirmação, limitando-se a olhar para as taxas de ocupação dos comboios, o que não prova de todo a inexistência de um mercado potencial. Como o presidente da CP bem sabe, sem oferta conveniente e bem comunicada, não pode haver procura interessada, verificando-se aquilo que os psicólogos designam eruditamente por “profecia auto-realizadora”.
A grande diferença entre uma entidade pública e uma privada, é que aquela está preparada para prestar serviços não lucrativos, sem prejuízo das boas práticas de gestão que deve adoptar. Argumentar-se que a linha do Oeste não tem comboios porque a procura é insuficiente (o que não está provado), é quase o mesmo que dizer que não se fornece serviços de correios, saúde, educação, água, electricidade ou gás a uma aldeia, pelo mesmo motivo. Aliás, o argumento cai definitivamente por terra quando se sabe que o projectado TGV não vai ter procura suficiente para ser rentável, prevalecendo outras razões de sustentação duvidosa. Tenho o maior respeito por quem trabalha e dá o melhor de si, mas fazer afirmações sem conhecer a realidade ou, conhecendo-a, procurar deturpá-la para justificar a inacção, não me parece aceitável. O que se depreende da referida entrevista é uma perspectiva terceiro-mundista do transporte público, sem ambição, acomodada e resignada.
Não é preciso ser especialista em transportes ferroviários para perceber que a taxa de ocupação pode ser incrementada, os horários aperfeiçoados, o período de manutenção da linha reduzido, o tempo de paragem nas Caldas abreviado e o conforto e limpeza das carruagens melhorado, o mesmo acontecendo com a qualidade do atendimento e as condições de espera nas estações, onde até os bancos são em número insuficiente. É absolutamente lamentável, por exemplo, a frequência e o horário do comboio aos fins-de-semana, no Verão, entre Caldas e S. Martinho, circulando as carruagens com os vidros completamente sujos, ou o caso das bandeiras que não foram colocadas a meia haste aquando do luto nacional por José Saramago (ver fotos), mostrando bem o desinteresse da CP pela região e, pelos vistos, por todo o país: a CP perdeu 5,85 milhões de passageiros desde o final do primeiro semestre de 2008, ao contrário do que se verificou com todos os outros transportes públicos.