Crónica do Québec (Canadá)

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A chegada dos ex-colonos de África
Corria o ano de 1970. Em Lisboa e num nobre edifício ali ao Camões, na rua das Chagas,  que fora em épocas mais gloriosas local da Embaixada da Rússia, entretanto adaptado a escola de Contabilidade, uma das disciplinas que mais me interessavam dava pelo nome de Geografia Económica.

Como para a maioria dos jovens da nossa idade, na altura, os nossos territórios africanos eram vistos como um apêndice natural do pequeno rectângulo localizado na margem oriental do Atlântico. O nosso velho professor de origem Checa e do reviralho, como se dizia, alerta-nos pela primeira vez para a dura realidade.  Em Angola num espaço geográfico catorze vezes maior do que Portugal, viviam na altura quase seis milhões de habitantes dos quais apenas menos de dez por cento eram brancos.  Em Moçambique, ainda que em menor escala , a percentagem de brancos era ainda menor. Dizia-nos então o saudoso professor Knappi: se um dia formos obrigados a abandonar aqueles territórios, os problemas por que o nosso país irá passar são inimagináveis.
Quatro anos mais tarde no dia 25 de Abril de madrugada as centenas de milhares de portugueses residentes em África, com os ouvidos bem colados aos velhos rádios de ondas curtas, sentiram a terra  fugir-lhes debaixo dos pés. A maioria deles tinham raizes profundas naqueles espaços imensos. Alguns seriam imigrantes  de primeira geração. Muitos outros já  tinham nascido africanos. Em Portugal, por razões obscuras chamaram-nos a todos de «retornados». Os que cá tinham familiares, por eles foram acolhidos. Os outros, a maioria, instalaram-nos  em vários hoteis. As afinidades que tinham com o Portugal pobre e rural da época, eram nulas.
Inicia-se assim a última grande vaga de emigração portuguesa para este país e  na qual me incluo. É que, não tendo sido residente em Angola, foi lá, como militar que comecei a pensar em abandonar Portugal. Como todos os jovens dessa época, depois da tropa e com o «canudo» de Contabilista do ICL na mão, a próxima etapa era o primeiro emprego. Não tendo a opção  ensino, alguma vez  sido por mim considerada (ontem como hoje, a última fuga para muitos), o sentimento de que estava a precisar de mudar de ares foi ganhando mais força  à medida que as diversas tentativas para encontrar um emprego no qual pudesse pôr em prática alguns dos parcos conhecimentos que obtivera nos bancos da escola esbarravam na resposta habitual:
–  sabe, eu fico cá com o seu nome, mas tenho aqui uma lista infindável de retornados, a quem tenho de dar prioridade, e que já têm muita experiência profissional. O Canadá não foi no entanto a minha primeira escolha, mas isso é tema para outra crónica.
Assim e desde 1975 até inicio da década de oitenta, o Canadá abre as portas a milhares e milhares de técnicos especializados, que Portugal jamais poderia absorver. Estou aqui a pensar no meu velho amigo Crisóstomo, infelizmente já falecido, nativo ali da Maiorga, que de oficial de diligências no tribunal do Lobito, e aos cinquenta anos, partiu para a dura vida de jornaleiro na construção das barragens da Baia de James de que já falei. Andou por lá quatro ou cinco anos trabalhando duramente, para que os filhos acabassem em Montreal, os respectivos cursos universitários iniciados em Angola, enquanto a esposa ajudava nos serviços domésticos da família Desmarais, donos do império da Power Corporation, um dos maiores se não o maior grupo económico canadiano . Com o dinheiro amealhado compra aqui alguns imóveis para aluguer, e como ele dizia, valeram-me mais  dez anos de vida activa no Canadá do que os mais de trinta em África. Não lhe pedissem no entanto para perdoar aos responsáveis pelo processo de descolonização, família Soares incluída. O simpático casal Manuel e Maria Luisa Rodrigues, diplomados pelo IST pensaram como muitos que, por uma questão de língua teriam mais facilidades no Brasil. Rapidamente desencantaram, pois quando se propunham iniciar um negócio, lhes diziam:
– sabe Sr. Rodrigues, os portugueses aqui, normalmente são padeiros. Mas eu sou é engenheiro, e de padarias não conheço nada, replicava. O Canadá deu-lhes guarida e hoje dirigem, apesar de já terem passado a linda idade dos setenta anos, com um associado igualmente diplomado pelo Técnico duas empresas em Rougemont, na zona dos maiores pomares de macieiras da província. Voltam regularmente à Europa em negócios, mas Portugal é apenas uma ténue recordação. Para eles, como para nós aliás, a palavra saudade soa como algo que nos parece ter sido criado por aqueles que nunca sairam desse pequeno cantinho.
A maioria de todos estes ex-colonos tinha raízes em Portugal Continental e está hoje completamente inserida na sociedade canadiana.

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J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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