Compreender-se a si próprio e ao mundo que o rodeia, é necessidade e contento do ser humano, o seu prazer mais nobre e, até, a sua liberdade. Compreender é uma capacidade e motivação inata, desenvolvendo-se a estrutura neuronal do cérebro ao longo da vida, para conseguir interpretar informação cada vez mais complexa e em maior quantidade. Na “idade dos porquês”, as crianças procuram compreender aquilo que os adultos têm dificuldade ou não conseguem de todo explicar-lhes, enfrentando então a primeira contrariedade no seu processo de aprendizagem. Outras se seguirão pela vida fora, aprendendo que não é necessário, possível ou desejável compreender tudo o que nos intriga, e que a intuição é, afinal, uma capacidade a valorizar.
Goethe dizia que aquilo que não se compreende não pode ser possuído, o que nos priva de riquezas materiais e espirituais a que, de outro modo, poderíamos aceder. Quem não sabe é como quem não vê, diz o ditado popular, traduzindo a ideia de que a ignorância nos faz perder muitas oportunidades, porque não as identificamos ou, pior, porque desconfiamos das que nos saltam à frente. Possuir informação não é suficiente para compreendê-la, faltando atribuir-lhe adequado significado, o qual, ainda assim, poderá ser diverso e distinto daquele que a fonte pretenderia. Também a interpretação da realidade pode alcançar múltiplos graus de proficiência, consoante a capacidade do sujeito para integrar o conhecimento parcelar que vai adquirindo, levando a escritora Marie Eschenbach a afirmar que na juventude aprendemos e com a idade compreendemos.
Compreender não significa aceitar, tal como ser empático (ter em conta o outro) não significa simpatizar. Qualquer profissional, mesmo os que lidam com indivíduos desagradáveis, deve revelar empatia e procurar compreender as características, disposições e situações que estão na base do comportamento do outro. O psiquiatra suíço Carl Jung dizia que, quando não procuramos compreender as pessoas, tendemos a vê-las como loucas. Dois séculos antes, o filósofo Espinosa esforçava-se por não se rir das acções humanas, de não as lamentar ou odiar, mas sim de compreendê-las. No entanto, algum alheamento ou inconsciência sobre o que certas coisas são, até pode ser útil, sobretudo para quem não esteja preparado para lidar com elas. Além de que ninguém deixará de conduzir um automóvel só porque não compreende a sua mecânica.
De qualquer modo, a compreensão é uma odisseia sem limites. Sócrates (o filósofo) reconhecia que “só sei que nada sei”, enquanto Einstein surpreendia-se com o facto de a coisa mais incompreensível sobre o mundo ser a possibilidade de o compreendermos, quer se trate de inalcançáveis universos paralelos ou de insondáveis profundezas da consciência. Mas, para compreender, é preciso querer, ter a atitude, e, depois, questionar, pôr em causa crenças individuais ou colectivas que condicionam o pensamento e a aquisição de novos saberes e perspectivas, sem ceder ao medo da perda de identidade. Kurt Lewin dizia que só se conhece verdadeiramente um sistema quando se tenta mudá-lo, tal a força dissimulada dos interesses instalados, interesses esses que explicam a tão generalizada, imoral, antidemocrática e perniciosa atitude de ocultar e sonegar informação. Para que não se compreenda e, assim, se domine.