Estava há dias dando a volta a alguns papéis que tenho guardados, quando descobri o tema desta crónica. Trata-se da relação ambígua, entre os portugueses que se auto-exilaram e os que nunca abandonaram esse pequeno cantinho no extremo ocidental da Europa.
Estávamos em 1970. O personagem da história dava pelo nome de Edmundo Dinis, 1924 – 2010, advogado luso-americano que, como ele dizia, foi de barco dos Açores para os Estados Unidos e imaginem, descalço.
Pois, mas tinha apenas oito meses quando isso aconteceu. Ficou célebre sobretudo por ter sido Provedor de Justiça no caso Chappaquiddick, a pequena ponte onde se deu o acidente que vitimou Mary Jo, secretária do Senador Edward (Ted) Kennedy, acidente esse que anulou todas e quaisquer possibilidades de Ted chegar a presidente da nação americana.
Edmund Dinis, como é conhecido nos USA, e não senhor doutor Dinis, como se diria nas Caldas, além de célebre advogado na jurisdição de New Bedford, porta de entrada de muitos açoreanos no grande espaço americano, esteve também bastante implicado nos media portugueses na Nova Inglaterra. Foi durante muitos anos proprietário da estação de rádio WJFD, com programação diária , de vinte e quatro horas, na língua de Camões, que fez um esforço notável para popularizar outro Luso-Americano, John Philip Sousa, o autor da maioria das músicas das marchas que ainda hoje ouvimos.
Voltando então a 1970, foi convidado pelo saudoso programa Curto-Circuito, que substituira na RTP o famoso Zip-Zip. Quando os responsáveis do programa lhe perguntaram se falava português, disse que sim, mas claro, o português de alguém que abandonara o solo lusitano com poucos meses de idade. Foi-lhe proposto que a entrevista fosse conduzida na nossa língua, o que ele recusou. Perante o espanto de Raul Solnado, o apresentador, a explicação veio célere:
– sabe, é que em Portugal são (nota minha….eram?) implacáveis com os despistes dos emigrantes na gramática. E além disso os portugueses gostam de exibir línguas estrangeiras e respeitam mais os estrangeiros que os seus.
Para corroborar esta história de E. Dinis, vou relembrar dois (haveria mais, mas estes são tão caricatos que valem a pena) momentos que se passaram comigo.
O primeiro passou-se no Café Central. Estava, com a minha esposa, em amena cavaqueira com o meu primo Vasco (para não o nomear…) na altura professor de filosofia na Escola Raul Proença quando entram e se juntam a nós algumas colegas do Vasco, imagino que professoras também. Ao fazer as apresentações o Vasco, lá dissse, algo atrapalhado:
– apresento-vos os meus primos Zé Luis e esposa, emigrantes no Canadá.
Sentindo o efeito, que a palavra emigrante iria causar nas suas digníssimas colegas, sentiu-se obrigado de logo a seguir e antes que elas dissessem qualquer coisa:
– sim, eles são emigrantes, mas não os emigrantes típicos.
Ainda hoje não arranjo explicações (ou até arranjo) para a expressão, do não ser o emigrante típico, mas compreendo o mal estar que a palavra emigrante causou ao Vasco. Tal equívoco teria no entanto sido evitado se a apresentação, se tivesse efectuado como aqui se faz, através do nome da pessoa, e nada mais. Numa primeira apresentação, num café sobretudo, de qualquer pessoa, não se é obrigado a desbobinar o seu Curriculum Vitae. Quando muito o nosso grau familiar com a pessoa a apresentar.
Mas se a situação com o Vasco, me fez de certa maneira rir, já a que vou contar a seguir, e que se passou no Chão da Parada, me feriu de tal maneira, que nunca mais perdoei ao autor da mesma. Como quando parti da aldeia, ainda participei com o Dário Marques e outros, no embrião do que é hoje uma obra magnífica, a Associação, que o meu primo e amigo Gentil Louro, tranformou no maior empregador da freguesia de Tornada, sempre que volto às origens não dispenso pelo menos uma rápida visita àquela casa, que vi nascer. Numa dessas visitas por entre conversas sobre a bola ou política, cumprimentei o canalizador oficial da terra. Note-se que a profissão de canalizador me merece todo o respeito e consideração. Basta pensar que aqui, cada vez que chamo um, a partir do momento em que ele sai do seu atelier, começa a cobrar-me setenta e cinco dolares por hora (não, não é por dia, disse bem por hora). Não sei quais são as tarifas usadas em Portugal, menores eventualmente, o que para o caso não interessa. Como dizia, depois cumprimentar o meu conterrâneo, que ainda andou connosco um ou dois anos na Bordalo Pinheiro, e não sei se já com um ou dois copitos a mais, sai-se-me com esta:
– Eh pá, sabes, para mim os emigrantes são todos como os Caboverdianos que andam aí ! Sic.
A causa destes equívocos, reconheço, tem as suas origens na emigração portuguesa para França dos anos sessenta, e hoje sublata causa, tollitur effectus ( cessada a causa, cessa o efeito) há um esforço da parte do governo, e sobretudo das instituições financeiras para usarem o termo residentes no exterior, em vez de emigrantes!
J.L Reboleira Alexandre
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