Dois Minutos

0
1089

Dois Minutos, ensaio sobre a nossa Selecção

Num tempo de Mundial da Rússia, o nosso ritmo acerta os ponteiros pelos jogos da Selecção e vê em duelos como o da Espanha um barómetro do que valemos. Naqueles 3 a 3 extraímos de um empate um sabor a vitória para na vitória seguinte com Marrocos extraírmos um sabor a derrota.

Não perder com Espanha fez de Portugal um verdadeiro país hermano, e colocou-nos de igual para igual. Logo a seguir temos os jogos menos conseguidos, primeiro com Marrocos depois com o Irão que no último minuto quase comprou os bilhetes de regresso para Portugal.
Pergunta-se como começamos tão bem e acabamos sempre a sofrer tanto? Não sou daqueles que acredita numa espécie de fado português, numa sorte azarada, ou que a nossa narrativa não é mais do que um drama de quem está à partida condenado. Acredito que Portugal consegue sempre se reinventar e que até a jogar mal consegue ser apurado pois o jogo que joga é esculpido no limite, numa tensão permanente que abraça o ser-se português.
Se muitos entendem como uma fraqueza nacional, uma sina brutal que nos atrasa no sermos felizes, eu vejo a nossa capacidade de resistir e de nisso sabermos empatar para seguir em frente e de vivermos nos limites das nossas capacidades, até á vitória final como aconteceu em França.
Todos nós, uns mais pessimistas outros menos, acreditamos lá no fundo que o próximo jogo vai ser o tal, aquele em que ganhamos com total normalidade, por uns 3-0 com tempo e mérito. Esse jogo não é nada mais do que a projecção da nossa esperança, uma visão de conciliação retemperada com o futuro após um passado com tanta cruz e sofrimento. Esta visão de esperança está simbolizada na fé católica de Fernando Santos e naquela sua expressão enrugada de homem que sofre mas que no final pode ser feliz, a tradução da escatologia católica de que o homem no final se pode salvar. Uma outra ideia paralela à fé é a ideia do talento e de como ele é corporizado em Ronaldo visto como um Deus Ex-Machina, um português anormal, atípico, mas portador de um ideal do que poderia ser o português perfeito, afinal “o melhor do mundo”. A compreensão destes “activos” traduz a verdadeira capacidade de Portugal e qual é o
contexto mais favorável para que a vitória, leia-se, o sucesso, aconteça.
Quanto maior fôr o desafio maior é o medo de perder. Quanto maior fôr a qualidade do adversário, a sua fama, a sua colecção de jogadores maior é a pressão que se abate sobre nós mas é essa pressão que nos eleva e nos agiganta. Espero que o Uruguai equipa que desconhecemos completamente dado que o último jogo foi há mais de 45 anos consiga se
projectar como “ o mais forte” e surja nestes dias de preparação do jogo como o “grande favorito”. Essa imagem em que a derrota já nos foi reservada dá-nos o contexto de partir “sempre atrás” e é com ele que ficamos focados, competitivos, e o nosso talento irrompe e nos projecta. É como se o talento tivesse um karma. Se nos colocarem “à frente” vai ser difícil lidar com isso.
Nem mesmo o título de campeão de Europa nos deu a confiança de sermos os “melhores da Europa”. Reparem: no primeiro jogo que fizémos a seguir a esse título perdemos logo 2-0 na Suíça e passámos o apuramento para o Mundial sempre “atrás”. Foi mesmo preciso ganhar no último jogo para nos qualificarmos em primeiro lugar e lá demonstrámos que o conseguimos fazer. Mais uma vez no fio da navalha. O talento de Ronaldo evidencia bem esse karma e o
presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem razão após a vitória com sabor a derrota com Marrocos: chegou a hora de perceberem que são mesmo os campeões da Europa. Mas na hora da verdade é assim: fica mais fácil empatar de livre a mais de 30 metros porque estamos a perder, do que marcar um pénalti quando estamos a ganhar. Será este o irracional que nos cola à nossa Selecção?

Telmo Faria
telmofaria1@me.com

- publicidade -