O Raposo Afonso Henriques ia, caminho fora, a trotar. Era o início do verão, o calor apertava e a sede também. A intenção dele era encontrar uma bela sombra, perto de algum ribeiro, onde se pudesse refrescar. O sol batia e o Afonso Henriques sentia-se a enfraquecer, a cauda a cair-lhe entre as pernas.
Numa curva do caminho ouviu restolhada e fincou-se nas patas de trás. Olhou à volta, as orelhas espevitadas.
– Quem vem lá?
– Sou eu, a princesa Meles. Já fomos apresentados no baile da floresta. Na primavera!
– Princesa? E de que reino?
– Do Reino dos Subterrâneos onde vivo com a minha família- trauteou a princesa, que logo a seguir mostrou o corpo inteiro fazendo vacilar as disposições bélicas de Afonso Henriques.
– Tu és forte e grande!- admirou-se o raposo.
– Sou maior do que tu! E mais pesada! Mas gorda não sou, nem te atrevas a insinuar!
O raposo pensou que seria melhor desistir de argumentar e aproveitou para perguntar qual o melhor caminho para o rio.
– Podes indicar-me qual a direção do rio? Com este calor, morro de sede, nem consigo pensar. E não te acho gorda, acho-te elegantíssima.
Acomodada e satisfeita a princesa Meles apontou:
– Desces esta ravina, sempre cosido com a sombra dos espinheiros. Lá em baixo encontras o rio.
Afonso Henriques foi descendo pelo agreste caminho, ainda a pensar que tinha escapado de boa, pois não queria confrontar-se com uma fêmea maior do que ele. Já lhe bastava a esposa Tareja, com quem dividia a prole e que, embora fosse a sua raposa preferida e mãe dos seus filhos, tinha um feitio difícil, muito biqueira e queixosa à mais pequena contrariedade.
Tê-la deixado só, a tomar conta da prole, já fora uma guerrilha. Tinha tido de contar uma pequena historieta sobre a filha mais pequena, a Vulpina, que ele achava magrota, franzina, e para quem precisava de ir dar uma volta a ver se encontrava groselhas, que o compadre Vulpes lhe tinha dito ser remédio santo nestes casos de apetite fraquinho.
Na descida voltou a ouvir o ruído de folhas a chocalhar. Estacou a tentar ouvir.
– Quem vem lá?
E uma vozinha fina fez-se ouvir:
– Sou eu, a princesa Pintarroxa. Não me conheces? Nunca nos ouviste cantar? A mim e à minha família?
– Ah! Agora ouço-te perfeitamente. E tu és pequenina, não é verdade? – adiantou o ladino Afonso Henriques.
– Não te metas em guerras comigo, raposo Afonso Henriques. Eu sou capaz de voar e tu nem a a correr me apanhas. Segue o teu caminho.
– Nada, não, Pintarroxa dos céus infinitos. Vou a descer para o rio!
E lá continuou o caminho. Ouviu o som da cascata. A penedia deixava cair a água fresca que vinha do cume da colina.
Sentiu um cheirinho divino. Olhou para cima e lá estavam elas, as framboesas, com que sonhara todo o caminho.Mas estavam altas. Que fazer neste desconsolado imprevisto?
Afonso Henriques formou um belo salto com o nariz dirigido aos frutos vermelhos, madurinhos.
Saltou uma vez, e mais outra e outra. Não conseguia trincar a frutinha. Parou, cansado. Que fazer?
Lembrou-se de um seu antepassado que se tinha tornado o riso da matilha! E porquê? Porque numa situação semelhante, ao tentar apanhar uvas, depois de saltar e saltar sem conseguir meter o dente nem nas graínhas, se tinha afastado da vinha, amuado, dizendo:
-Ora estão verdes, vou-me embora sem me cansar.
Pensou:Eu, Afonso Henriques vou dizer: as groselhas estavam todas no papo da pintarroxa que chegou primeiro. Para a próxima trago a minha Tareja, mais magra e fina, ela consegue saltar mais alto e a fruta será minha!
Beatriz Lamas Oliveira
blamas599@gmail.com