Em homenagem a Alice Freitas

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Notícias das Caldas
Alice Custodio | D.R.

Minha querida Alice
Ainda não acredito que partiste. Para mim personificavas a perenidade. Talvez pela força indomável que detinhas e a forma como sempre reagias aos inúmeros embates que a saúde e a vida te causavam. Podias ficar trémula mas nunca vencida como se o desafio te fosse intrínseco e tua a última palavra.
Receio não conseguir exprimir o quanto te queria, o quanto foste importante na minha vida e, sobretudo, a pessoa especialíssima que eras. Porque é necessário que todos saibam que foste um ser de excepção que sempre combateu o egoísmo, a ganância e o oportunismo e sempre procurou cultivar e vivenciar os valores da fraternidade e da solidariedade humanas. Oitenta e oito anos de uma vida que é um exemplo de dignidade e persistência na luta e resistência ao fascismo salazarista e, depois de Abril,  na consolidação da liberdade e da democracia participativa, por que sempre te bateste, lado a lado com o homem com quem partilhaste a vida, Custódio Maldonado Freitas, o «médico dos pobres», falecido prematuramente em 1994. Por ironia, tu que sempre pugnaste para que os valores de Abril não nos fossem alienados ou usurpados, desapareces num momento em que no-los roubam e destroem despudoradamente…


Tenho para contigo, querida Alice, e teu marido, uma enorme dívida de gratidão. Das que não se pagam nunca. Apenas se agradecem.
Tinha 12 anos quando tuberculizei e fui internada no Hospital de Santa Marta, em Lisboa. Por feliz acaso aí encontrei o Dr. Custódio que me tratou e «adoptou» substituindo-se à família que eu não tinha. Saí passado um ano e já nas Caldas continuei a ser seguida no seu consultório; medicava-me e mandava-me à farmácia do velho Maldonado (pai) para me darem remédios e injecções. Mais tarde piorei e foi ele quem me reinternou por largos meses, no mesmo hospital, continuando o tratamento no seu consultório, após a alta. Curou-me. E nunca me cobrou absolutamente nada. Como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Pela mesma altura (Dezembro de 1961) dera-se a questão de Goa e familiares meus regresssaram subitamente sem nada; apenas possuiam o tecto dos meus avós. Pois o Dr. Custódio Maldonado Freitas a todos tratou e acompanhou nas doenças sem jamais cobrar quaisquer honorários. São dois exemplos que me tocam directamente, mas sei que nunca negou apoio a quem não podia pagar.
Cheguei ainda a ser tua aluna de francês em 1965-66 na Bordalo Pinheiro. Pouco tempo antes de me fixar na capital. Mas ficou-me viva a imagem de uma mulher de personalidade forte, incansável, a trabalhar e a terminar o curso já casada e com dois filhos, com a PIDE sempre a rondar e o marido várias vezes preso, corajosa perante a polícia e no prover às necessidades familiares e à educação dos filhos. Foste tu, querida Alice, o grande alicerce do núcleo familiar. Lembro o carinho com que lembravas a tua irmã e os sobrinhos, sempre atenta a eventuais necessidades.
E que dizer da amizade que sabias cultivar como ninguém? A tua relação com a Fina, a amiga desde o Colégio de Odivelas era única. Adorava observar-vos nos diálogos.
Pertenceste à Comissão Promotora de um jantar comemorativo do 25 de Abril, em Lisboa. Todos os anos cá estavas.  E quando a A25A fez os seus espectáculos no Coliseu dos Recreios, também. Tal como no funeral de Vasco Gonçalves onde nos encontrámos, eu, tu e o António João, o filho que soube ser o firme e incondicional apoio afectivo e físico dos últimos anos.  O meu abraço sentido a toda a família mas especialmente ao Tó João, ao Pedro, e aos netos que eram o seu orgulho.

Lembrar-te-ei sempre, feliz, a conviver à mesa, com os amigos.  A tua atenção aos outros e a pronta solidariedade sem que fosse necessário pedir. A tua gargalhada contagiante. E de como os teus olhos brilhavam de emoção perante o mar da nossa Foz.  Até sempre, Amiga.

Júlia Coutinho

Desculpem o possessivo

Morreu a Doutora Alice, a minha Doutora Alice. Desculpem o possessivo, que eu sei que ela era de todos nós, mas sinto-a como um bocadinho de mim.
Qualquer texto elegíaco não faz justiça à grande senhora, que sem querer foi um bocadinho minha mãe. Para além do seu altruísmo e de uma vida dedicada aos outros, era a advogada dos “elos mais fracos”.
Tenho uma verdadeira paixão pela sua personalidade, inteligência, coragem e sobretudo pela sua autenticidade.
Da Alice ou se gostava ou não. E eu gostava muito. Trocávamos confidências, abraços, risos e ironias.
Disse-lhe uma vez que era a pessoa mais sábia que eu conhecia e ela respondeu-me: “coitada, deve conhecer muito pouca gente”.
Os seus poemas espelham a sua simplicidade, a sua verdade, a harmonia que via na Natureza e na admiração que tinha pela imensidão do mar, consciente da pequenez do nosso nada.
Escrevo com o coração que é também um bocadinho do dela, e, a minha plateia interior aplaude-a… de pé!
Até sempre.
Sua Lena,
Helena Sardinha

Uma lição de vida

Uma grande senhora da luta pela liberdade acaba de nos deixar. Uma enorme saudade tolhe-me as palavras ao evocar essa amiga que foi Alice Maldonado Freitas. Sempre presente nos bons e nos maus momentos, sempre com uma palavra de amizade para com a minha mãe que com os seus cento e cinco anos (quase) não pôde estar presente no funeral, para comigo e nossa família em geral. Sinto um enorme pesar  pela sua ausência.
Esta insigne democrata deu uma verdadeira lição de civismo durante toda a sua vida. Se  recuarmos à década de cinquenta do século passado vêmo-la na sua coragem tomar como sua a luta pela emancipação da mulher, tema tão restrito e tão proibido, a par de um trabalho pedagógico de grande significado e de abertura ao pensamento avançado, livre de tutelas e por isso mesmo abridor de caminhos para essa juventude que ela  tanto acarinhou.
Nunca esquecerei o gesto que a família Maldonado de Freitas teve para com o meu pai, aquando da sua passagem pelas Caldas da Rainha em Maio de 1958, em plena campanha para a Presidência da República, com a recepção magnífica dos homens e mulheres das Caldas, com a oferta de um álbum de fotos da sessão eleitoral e das multidões que apoiaram nas ruas o movimento que se pretendia libertador.

Também não esqueço que Alice Maldonado Freitas fazia questão de estar sempre presente ao meu lado e de minha mãe durante as comemorações do 25 de Abril que se realizam no largo da Cela Velha, junto ao monumento a meu pai, desde 1974, ininterruptamente. Esse gesto carinhoso, em nome de minha mãe lho agradeço, e ao seu filho, António, e netos bem como a toda a família por nos demonstrarem como as causas nacionais podem e devem unir na amizade. Bem haja Alice pelo exemplo da vida que nos deu.
Iva Delgado

Até sempre Alice!

Conheci-a desde sempre.
Ouvi as suas estórias, cresci com a sua visão de um mundo mais justo, socialista.
Corajosa, vincou-me a sua saudável “loucura”.
Irreverente, inteligente, culta. Tinha sempre qualquer coisa para dizer.
Gostava da sua companhia.
Gostava de te ter acompanhado mais.
Até sempre Alice!
Catarina Sousa