«Jocasta» e «Dizimar» de Paulo da Costa Domingos

0
665
- publicidade -

A título excepcional esta semana a rubrica «um livro da semana» refere-se a dois. Trata-se de juntar na mesma ficha de leitura dois livros de poemas de Paulo da Costa Domingos (n.1953); o primeiro de 15 páginas e o segundo de 18. Na intitulada «Nota marginal» de «Jocasta» lê-se: «Jocasta foi a autêntica figura subversora de uma ordem, não meramente no que é político, mas invertida, a rasgar pelo ataque radical à estrutura da família, enquanto átomo do corpo social.» O poema «Jocasta» na página 7 abre com um sonho («Jocasta humedece um sonho») e conclui com um pesadelo: «Do menos não cortei orelhas / a pretos, posso mesmo dizer / como vim para suavizar / a ferida infecta do Mundo.» Um pouco à maneira de Vitor Matos e Sá (1927-1975) o Mundo é uma «companhia violenta» e o poema final («Funerária») é um balanço (embora provisório) de um trajecto entre a vida e a morte: «Sozinha: como eterna deusa, / onde há morte e não há morte / onde há quem adormeça, se bem que / do lado oposto do espelho a que / ninguém acode apesar de carpir / avonde, e onde impera o luto / depois da luta, depois do bote final; / sozinha: marcada pela devastação pessoal, num campo deserto / há muito da honra e do sentir / alto se ouve ainda o alfabeto / e, muda, a vegetação fecha-se.»
Em «Dizimar» o ponto de partida é um lugar («Este lugar existe, fica / onde as soluções novas / se assemelham ao deserto / dos antigos problemas.») mas não um lugar qualquer: «o Vale das Artes, o Jardim dos Poetas.» O Poeta que recusa o Jardim dos Poetas é um rebelde: «Um rebelde. Recusa-se / ao consumo: apenas / quer ser detentor dos meios de produção / chega de cinzeiros.»Sobre os efeitos da sua proclamação o Poeta não tem dúvidas: «Garantidamente cinquenta ou sessenta / tomarão conhecimento.» Depois de rejeitar a «senhora frígida» («Seu nome é Autoritária») que pode ser lida como junção de duas palavras (Autoridade e Tributária) o Poeta conclui: «Fatiga a luta e ainda / não chegou o pavor./ Certo. Teremos bebido / muito menos que mentiras / dizem os poeta durante / uma greve selvagem.»
(Jocasta – Editora Frenesi, Capa s/foto de Rui Baião, Dizimar – Editora Frenesi, Capa de Carlos Ferreiro)

- publicidade -