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Rui Cardoso Martins (n. 1967) deslocou-se como jornalista aos tribunais de 1990 a 2007 e dessas 700 audiências nasceram as crónicas para o jornal «Público» das quais este livro seleciona cem. Portugal é terra de bons cronistas, sempre o foi, basta ver os livros organizados por Fernando Venâncio e Ernesto Rodrigues (Círculo de Leitores) com uma selecção cronística dos séculos XIX e XX. E, nesse caso em concreto, lembro as crónicas de Manuel Geraldo, alentejano da Salvada (Beja) que no velho «Diário de Lisboa» escreveu durante anos a coluna «Um juiz no alto do parque» com os casos de tribunal de pequena instância. O pormenor é que tanto Rui Cardoso Martins como Manuel Geraldo nasceram no Alentejo e é daí que vem o tom humanista dos textos. Numa das crónicas deste livro (página 356) essa aproximação é clara: «O stress do Alentejo interior. Só sabe quem lá nasceu. É como o frio e o calor do Alentejo, armazenam-se no tutano dos ossos, muito quietos, à espera de os rachar».
Neste seu quinto livro publicado, Rui Cardoso Martins resgata do efémero dos dias o peso das palavras de cada crónica, a sua densidade e temperatura, misturando de modo feliz o sangue pisado da vida com o estilo da literatura. Este livro lembra as palavras de Jacinto Baptista em 1978 no «Diário Popular»: «O jornalista é o historiador do quotidiano». Fiquemos com este exemplo a propósito de um homem que comprou a fotocópia do passe da CARRIS:
«Há escalas incomparáveis – o medo clandestino dos sem-papéis , as mortes nas travessias por terra e mar nas redes mafiosas – mas também há coisas partilhadas por todos os que desembarcam em Lisboa. Da província o advogado foi para a capital e terá talvez nos primeiros dias vivido a exaltação e a luz da cidade, mas logo depois o tamanho, escuridão e tristeza, e as pessoas que se ignoram, mesmo se amarradas em molhos de feno nos transportes públicos, e alguém quer trocar um sorriso, um bom dia como nas terras educadas, e só fazer de parvo, estampando-se em caras que são paredes. O suor motorizado da cidade. A aventura até finalmente encontrar um Lino, um sino da sua aldeia na tarde do Rossio e, com sorte, arranjar um passe barato para as deslocações.»
(Editora: Tinta- da- China, Capa: V. Tavares)
José do Carmo
Francisco
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