Amélia Sá Nogueira
Socióloga e Ceramista
A arte da memória tem no património o terreno mais fértil para a sua perpetuação. É no património edificado ou no património oral, das histórias contadas e recontadas dezenas de vezes, que reside a base do significado atribuído à exímia capacidade humana de recordar e tornar a memória num processo de identidade social e coletivo. Questionamo-nos muitas vezes a história de edifícios que pela sua traça, pela sua imponência ou pela sua singularidade habitam as nossas cidades. Ficamos perplexos quando esse património resultado de interesses imobiliários é posto em causa. Circula há vários dias nas redes sociais uma petição “Pela Defesa da Vivenda Aleluia”. Para a maioria das pessoas o nome poderá não dizer muito mas a vivenda Aleluia, em pleno centro da cidade de Aveiro, representa um dos mais importantes e valiosos registos do património cerâmico azulejar do país.
Projetada em 1929, da autoria de Francisco da Silva Rocha, este espaço serviu de residência à família Aleluia funcionando no seu piso inferior um mostruário da conhecida fábrica de cerâmica com o mesmo nome, que preserva no seu interior e no exterior do edifício conjuntos únicos de peças e painéis de azulejos da referida fábrica. Se em 2006, a primeira tentativa de demolição do imóvel foi travado por um parecer do então IPPAR (Instituto Português do Património Arquitetónico), que reconhecia o “interesse arquitetónico” da moradia, passados estes anos, em 2023, trava-se uma luta contra o tempo para que esta segunda tentativa de demolição do imóvel não aconteça. São várias as sugestões para a preservação do espaço da Vivenda Aleluia confluindo uma parte essencial para a transformação em espaço cultural, preservando a memória industrial da cidade de Aveiro e do país. A vivenda Aleluia não é infelizmente caso único no panorama nacional e apesar de desde 2017 ter sido estabelecida legislação própria que visa a proteção do património azulejar de interesse, a falta de manutenção, a degradação ou mesmo a destruição de imóveis classificados, ou que integram património azulejar classificado, é uma constante. Quando permitimos que se destrua património edificado estamos também a destruir um valioso reduto de tradição, de relações e redes sociais, de memória.
Políticas à parte, fica a pergunta. O que vale mais nos tempos que correm? Um prédio de sete andares ou a preservação de um reduto único e insubstituível de memória?
(Petição Pública – “Pela Preservação da Vivenda Aleluia”) ■