José Ribeiro
Professor de Políticas Públicas
A 25 de abril de 1974 Portugal era um país triste e atrasado em todos os aspetos. O Portugal salazarista do “Minho a Timor” era tradicionalista, no pior sentido da palavra, e fechado sobre si mesmo (Trump ficaria orgulhoso de saber que as suas ideias protecionistas já aqui se praticaram há muito), a emigração era aflitiva, pois que era necessário fugir da fome e da guerra colonial, às mulheres reservava-se o papel submisso de esposas e mães, donas de casa instruídas desde tenra infância a aprender este único papel que lhes estava outorgado, algumas conseguiam ser professoras, mas só casariam com autorização do respetivo Ministro da tutela, sem direitos nem voz. Mais de um quarto da população (25,7%) era analfabeta a 25 de abril de 1974 e a ignorância generalizada contribuía para manter um regime falso e de mentiras grosseiras. As pessoas viviam serenas no medo e na ilusão (com as centenas de exceções daqueles que foram presos, torturados e mortos pela PIDE), apesar de a maioria não ter água canalizada, eletricidade ou saneamento básico. Vivíamos na caverna de Platão. A economia era risível e atávica, era o Estado que controlava os meios de produção e toda a riqueza nacional, distribuída soberbamente por meia dúzia de amigos próximos do regime. Não existia corrupção: a corrupção era prática implícita e explícita do regime, como tal não se questionava, aplicando-se a máxima “entre marido e mulher, ninguém mete a colher” em todas as vertentes da vida social, uma sociedade estratificada, na qual uma magríssima minoria explorou a imensa maioria de um país amordaçado e miserável. Mas a pior das misérias foi a democrática: A supressão desse bem maior, tão essencial quanto delicado, que é a liberdade. Criou-se um país de delatores, desconfiados e ensimesmados, sem crítica nem iniciativa. O 25 de abril não se pode acomodar, correndo o risco de se tornar num longínquo evento histórico, mais ou menos romanceado, que os jovens atuais sentem distante e, pior de tudo, no qual não se reconhecem, nem reconhecem enquanto solução para os seus problemas. Não nos iludamos: a prática populista, sendo apanágio da extrema-direita, afeta todos os quadrantes. As redes sociais, a procura do buzz mediático enquanto Santo Graal da praxis política e a ascensão meteórica de quem melhore se autopromove, deve deixar-nos em estado máximo de alerta. Que o 25 de abril não adormeça na sombra das conquistas do passado, não seja ele próprio atávico e conservador no seu discurso, não se feche em salamaleques e elitismos que promovem o distanciamento e o comodismo. Antes do marketing político, a ética política, antes da estratégia política, a transparência, antes das ambições, o serviço público.