O Encanto e a importância das Casas-Museu

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Cristina Ramos Horta
Investigadora de cerâmica

No contexto diversificado dos espaços museológicos, a tipologia da Casa-Museu tem características especiais, mantendo ou recriando ambientes originais, de épocas passadas e/ou a evocação de figuras revelantes. São casas com vida e história, penetradas de afetos e memória, onde vários fatores concorrem para a recriação de um estilo de vida destinado a ser fruído pelo público.
Referimos como exemplos próximos, a Casa-Museu dos Patudos, em Alpiarça, e a Casa-Estúdio Carlos Relvas, na Golegã, que, apesar de diferentes, inserem-se na tipologia de “casa-habitada”. A primeira, projetada por Raul Lino, foi residência de José Relvas (1858-1929) desde finais do século XIX, até 1929, e legada à Câmara por testamento, bem como a Quinta, a rica coleção de arte, a biblioteca e arquivo.
A ampla e luxuosa residência, reflexo de uma burguesia endinheirada de finais do século XIX, com hábitos de colecionismo, contém uma extraordinária coleção de pinturas dos principais artistas portugueses e estrangeiros da época, cerâmicas diversas, como a réplica da famosa Jarra Beethoven de Rafael Bordalo Pinheiro (a original está no Brasil), Vista Alegre, porcelanas de Sevres e de Saxe, azulejaria, Companhia das Índias, dispostas nas sucessivas salas, numa sintonia perfeita com os espaço interior e exterior.
Diferente, mas com o mesmo conceito, a Casa-Estúdio Carlos Relvas, na Golegã, mandada edificar por este, de uma família abastada e herdeiro de uma grande fortuna, destinava-se à sua paixão: a fotografia. Carlos Relvas (1838-1894) foi pioneiro da fotografia em Portugal e a casa revela, no interior, alguma aparelhagem mais avançada da época e de um laboratório que sobreviveram ao tempo, trabalhos do autor, adereços, e objetos alusivos á arte da fotografia, tudo recriado num ambiente mágico que revela a sensibilidade requintada do seu dono e a emulação da fotografia. O espólio da casa-estúdio inclui ainda 12 mil placas de vidro, uma das maiores coleções da Europa em termos de fotografia e testemunho histórico e artístico deste período inicial da história da fotografia.
Palácios assumem o conceito de Casa Museu, como o Palácio da Pena, em Sintra, onde, sob orientação do seu diretor António Nunes Pereira, foi feita uma notável recuperação dos interiores domésticos românticos da época de D. Maria e de D. Fernando de Saxe Coburgo. Peças originais (mobiliário e decoração) foram recuperadas, no país e no estrangeiro, recriando o ambiente original. Semelhante processo de reconstituição dos antigos espaços reais verifica-se nos Palácios da Ajuda e no Palácio de Vila Viçosa
Realçamos a excelente recuperação integral do Chalet da Condessa d’Edla, em Sintra, segunda mulher de D. Fernando, cujo interior tinha sido totalmente devastado pelo fogo.
Em Caldas da Rainha não existe nenhuma Casa-Museu evocativa da brilhante fase do romantismo. O edifício por excelência seria o Palacete o Palacete Tardo romântico do 2º Visconde de Sacavém. Enquanto fui diretora do Museu, foi organizado o espaço da antiga sala de jantar do Visconde, com peças de cerâmica da sua colecção e algumas da sua autoria. Não existindo mobiliário, e dada a exiguidade da documentação, é inviável uma possível contextualização com dignidade.
Algumas Casas-Museus precisam de cuidados de conservação e até de refrescamento. Contudo, recentemente aconteceu um caso dramático com o Museu do Romantismo, no Porto. Habitação do rei Carlos Alberto da Sardenha no exílio e que aí viveu os últimos anos da sua vida, as dependências tinham sido redecoradas em sua memória. Esta Casa-Museu, que refletia um ambiente da aristocracia do século XIX, foi alvo de uma intervenção de total desmantelamento e o espaço romântico profanado com a integração de peças contemporâneas, completamente desadequadas, numa lógica incompreensível, chocando museólogos, especialistas e o público em geral. Retirado o recheio, tapadas as decorações das paredes, o espaço encantador e didático foi esvaziado de sentido e tornou-se uma galeria de arte igual a muitas outras. O nosso património ficou mais pobre e, todos nós, descrentes em relação àqueles que o gerem e dele deviam cuidar.
Proliferam no estrangeiro, em todos os países, as Casas-Museu que são dos espaços museológicos mais admirados e visitados, sinais de cultura e de respeito pela história. Sãos marcos históricos e, como sabemos, não se pode construir o futuro sem conhecer o passado. ■

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