Palestina Livre Caldas
“A história é um pesadelo do qual tento acordar” diz James Joyce no seu romance “Ulisses”, ora, acordar de um pesadelo não significa entrar na bonança da lucidez, mas descobrir que do outro lado do pesadelo está o terror real dos que são massacrados impiedosamente. Sair do pesadelo da história é descobrir que não existe uma história, mas múltiplas histórias, e que a maioria delas são silenciadas pelo narrador da História que se quer filha única. Ora, a História, a que é escrita pelo poder, tende a não admitir nada do que lhe desagrada, a reescrever tudo o que mete em causa a sua posição, uma posição que se quer moral, heroica, do lado do bem. A ideologia vigente no Ocidente, apoiada numa vitimização de um acontecimento passado, deixa os seus sujeitos imunes a tudo o que vejam ou oiçam que os retire do lugar de vitimas, mesmo ocupando lugares de poder, ou vivendo de forma opulenta.
O que vemos nos ecrãs, enquanto damos jantar aos filhos, nos rimos de uma piada, ou gabamos os dotes culinários de um companheiro, assenta numa dessensibilização total do observador, num vazio moral que foi construído devagar, com discursos e separações, numa desumanização que se tornou incapaz de lidar com o real. Acordar do pesadelo da História parece impossível, deixou mesmo de ser percebido como um pesadelo. O cidadão moderno só parece entender um problema quando o afecta, quando lhe fere o seu narcisismo (por isso vemos a ecologia não a falar dos seres vivos em si, mas do mal que advirá ao homem). Neste sentido, não falaremos das crianças desfeitas por bombas diariamente, mas diremos que Gaza é um laboratório, não de Guerra (porque uma guerra precisa de dois campos de combatentes), mas um laboratório de extermínio. Enquanto o poder descobre ser possível liquidar um povo em directo sem reacções da parte do espectador, outras Gazas surgirão, outros campos a dizimar, num deles, quem sabe, possamos estar nós ou tu.