O que é a economia circular?

0
2542
- publicidade -

Há mais muitos anos que se discute a relação entre o aumento da população, o crescimento económico e a disponibilidade dos recursos naturais que são, por natureza, finitos. Em 1972 o Clube de Roma, num relatório intitulado ”Os Limites do Crescimento”, chamou a atenção para este problema.


Este debate acentuou-se com a entrada no mercado global das chamadas economias emergentes (China, Índia, Brasil, entre outros) que aumentaram a pressão sobre os recursos naturais.
No modelo actual de crescimento designado como economia linear, a produção e o consumo assentam numa cadeia que passa por “extrair recursos – produzir bens – depositar resíduos”. Ao longo desta cadeia os níveis de desperdício são significativos, havendo uma perda de valor económico e ambiental.
Quando se procura mudar de paradigma no sentido da economia circular, o que está em causa é uma maior eficiência ao nível do ciclo de vida do produto desde a extracção das matérias-primas até à sua utilização e a concepção dos produtos para uma maior durabilidade. Pretende-se acabar com ineficiências, ao longo de todo o processo produtivo, através de uma melhor utilização dos recursos naturais, minimizando ou erradicando a criação de resíduos.
Temos de pensar uma economia em que os produtos e os resíduos de hoje são os recursos de amanhã. Pode ser o fim do conceito de “fim-de-vida”. Ou seja, citando Lavoisier, nada se perde, tudo se transforma. Há que privilegiar a prevenção da produção de resíduos, a reutilização e a reciclagem, minimizando a deposição em aterro e a incineração.
A transição para este modelo implica assim desafios na área da investigação e desenvolvimento, design, ecoinovação, processos produtivos e modos de consumo.
Mas é a montante que se encontram os maiores desafios. É necessário investir na ecoinovação e no ecodesign para aumentar a durabilidade do produto, reduzir o consumo de matérias-primas bem como os custos de reciclagem ou reutilização. Desta forma é evitado, ao máximo, a deposição e eliminação.
Ao prolongar o ciclo de vida do produto pretende-se evitar a criação de desperdício e o consumo de materiais e de energia que implica a compra de um produto para substituir o produto que se deitou fora porque avariou.
Este prolongar do ciclo de vida faz-se a montante quando se concebe o produto para uma vida mais longa, na fase de utilização ao incentivar os cidadãos a privilegiar a reparação em vez de descartar o produto quando este se avaria (o sector de reparação é criador de muitos postos de trabalho qualificados) mas também por promover o upgrade tecnológico do produto sem ser necessário comprar um novo.
Um exemplo interessante da aplicação deste princípio está a ser desenvolvido por uma empresa holandesa de telemóveis (só na União Europeia são descartados cerca de 160 milhões de telemóveis por ano). Esta empresa desenhou um telemóvel que é fácil de reparar e de fazer o upgrade tecnológico. A empresa disponibiliza inclusive, no seu site, instruções de como reparar ou fazer o upgrade.
A economia circular ambiciona assim dissociar o progresso económico das limitações do consumo e acesso aos recursos. É neste sentido que as empresas tendem a investir cada vez mais em eficiência energética, na poupança de água ou na utilização optimizada de matérias-primas.
Existe assim uma oportunidade para a Europa e para Portugal de apostar numa liderança económica em termos do uso eficiente dos recursos. As vantagens em matéria de economia circular podem ser muito superiores face a outros países como a China (que apostou inicialmente na mão de obra barata) ou os EUA (que estão a beneficiar dos baixos custos de energia possibilitados pela aposta no gás de xisto), que têm usado estes factores para ganhar competitividade. Acresce que um estudo recente da Agência Europeia do Ambiente identifica as áreas ligadas a economia circular como as que são mais competitivas em termos de I&D da EU face quer aos EUA quer às economias asiáticas.
De acordo com a estratégia da União Europeia para o Uso Eficiente dos Recursos, com algumas medidas de eficiência ao nível industrial é possível poupar 1,4 biliões de euros por ano. A Comissão Europeia lançou recentemente um pacote político dirigido à economia circular, estimando que a transição para a economia circular pode gerar poupanças de 604 biliões de euros por ano, redução de emissões de GEE até 5%, fazer crescer o PIB em +1% e criar mais 2 milhões de empregos. A Ellen MacArthur Foundation estima para a União Europeia uma oportunidade económica de poupança de recursos nos processos produtivos entre 340 e 630 biliões de dólares por ano até 2025. Vários países estão já a preparar estratégias nacionais para a economia circular.
Portugal deve posicionar-se para aproveitar as oportunidades a este nível. O nosso país importa uma percentagem significativa das matérias-primas que necessita para o seu processo produtivo. Os materiais obtidos através da reciclagem passam a ser recursos endógenos do país, reduzindo necessidades de importação de algumas matérias-primas. Por outro lado Portugal dispõe de um sector ligado à gestão de resíduos bastante dinâmico e inovador.
Em Portugal já existem empresas e outras entidades que investem na economia circular (mesmo algumas sem saberem que são classificadas como tal). Há cada vez mais projetos que começam por tentar resolver um problema ambiental e que acabam por criar produtos de maior valor acrescentado.
Há projectos de universidades e empresas focados na utilização de espinhas de bacalhau ou cascas de camarão para produzir implantes ósseos e próteses dentárias. Investiga-se a utilização das águas ruças dos lagares de azeite para produzir energia e até produtos de cosmética, com grande incorporação de valor e potencial comercial. Há ainda a crescente utilização dos desperdícios da pesca e indústria alimentar para produzir rações para animais.
Recentemente uma empresa portuguesa que utiliza o desperdício da produção de rolhas de cortiça para criar novos produtos foi distinguida pelo prémio Generation Awake, da Comissão Europeia, como um dos exemplos de modelo de negócio baseado na Economia Circular.
Na nossa região já existem empresas que se inserem na economia circular como por exemplo uma empresa que utiliza resíduos de pneus e de cortiça para fabricar botas de alta qualidade, ou outra que utiliza resíduos de plástico e de pneus para produzir mobiliário urbano e jardins infantis.
No entanto os desafios ainda são muitos e implicam um maior envolvimento do Estado, das empresas, da comunidade científica das famílias e dos cidadãos.

Paulo Lemos

- publicidade -

- publicidade -