João Ricardo Pedro (n.1973) é um jovem autor mas da leitura do seu livro de estreia (Prémio Leya 2011) a impressão que fica é a de um estilo aturado, envolvente e majestoso a lembrar a escrita de Mário Ventura, Nuno Bragança ou Mário de Carvalho. A guerra colonial é uma das peças do mosaico que compõe esta narrativa: António («estou prestes a partir para Angola») conhece Paula numa livraria («afastei-me um pouco») e convida-a para madrinha de guerra. Do casamento nasce Duarte, o pianista que deixa de tocar por ódio: «Ódio àquilo a que as pessoas costumavam chamar dom». Paula fica órfã aos 16 anos. Primeiro do pai, morto pela PIDE na rua António Maria Cardoso depois da campanha de Humberto Delgado. A seguir da mãe, atropelada por um eléctrico na Rua do Alecrim. O pai de António, o médico Augusto Mendes («chegou num Citroën 15CV») casa com Laura («única rapariga da aldeia com a terceira classe») e são os avós paternos de Duarte, executante de Beethoven a quem a professora dirá: «Você tem umas mãos maravilhosas. Um dom. Raríssimo» São esses avós que organizam à sua porta um lanche para quem vê passar perto do Fundão a Volta a Portugal em bicicleta. Um dos amigos do médico refila sobre um vizinho: «Retornado de um filho-da-puta, andaram os nossos soldados a morrer por causa dessa gente de merda». No meio da vertigem da guerra colonial há lugar para a ironia: «O furriel António Mendes apenas disse que o sargento Raul Figueira era algarvio e que era sempre muito difícil emitir opiniões justas acerca de algarvios». No fim, o actual inspector Monteiro (o ex-soldado Monteiro) perguntava à mulher «como é que podíamos esquecer tudo acerca de uma pessoa e, no entanto, lembrarmo-nos do seu rosto até ao mais ínfimo detalhe?» Uma narrativa incisiva, límpida e eficaz, conta a história de uma família (entre arte e desporto, violência e paz, cidade e campo, guerra e emigração, censura e liberdade), memória essa que, nos azares da vida e entre solidão e morte, prefigura o destino do seu País. E sugere ao leitor retirar os heróis das páginas do livro para um panteão privado onde se possam admirar por muito mais tempo.
(Editora: Leya, Capa: Rui Garrido, Foto: Miguel Manso)
José do Carmo Francisco