Era uma vez…

Dia de Natal.
Era Inverno e estava frio. Lá fora, pequenos charcos de água gelados pareciam espelhos. O céu pesado de água, cor das cinzas do fogão. E o vento! Assustador. Os ramos do castanheiro do quintal pareciam pedir ajuda. Aflitos, acenavam e ao Pedro Gil até parecia que os ouvia gemer.
Na véspera os pais e os avós do menino tinham começado a preparar o jantar desse dia. Do aparador, que já tinha pertencido à bisavó, tinham saído para a festa, pratos,copos, talheres e travessas que por tradição só se usavam nesse dia. E uma toalha branca e bordada, tão bonita!
Sabia que no forno da cozinha iria ser assado um belo frango. Não podiam comprar um peru, era demasiado caro. Mas haveria mais coisas saborosas, disso tinha ele a certeza. E a Mãe, essa, tinha andado muito irrequieta a entrar e a sair da sala com ar de conspiradora de 1640.
Na escola, menos de um mês antes, o Professor tinha contado que, há mais de trezentos e setenta e cinco anos, o país onde nascera o Pedro Gil tinha expulso os ocupantes do país do lado. Ocupantes incómodos e metediços, que queriam dar ordens nas nossas gentes. E uns conspiradores tinham-se organizado, às escondidas, para os mandarem embora. O menino gostou muito dessa palavra. Assim eram chamados uns tais nobres que se reuniam num palácio, para traçarem os planos de reduzirem os Filipes era o nome dos tais vizinhos do lado à única saída possível:a fuga.
O Pedro Gil tinha um primo mais velho,chamado Filipe e, tinha achado muita graça ao facto de os vizinhos do lado das nossas gentes, terem o mesmo nome e mesmo assim serem os inimigos!
Decidiu que era preciso perguntar ao Pai ou à Mãe porque é que o Tio Tiago tinha escolhido o nome de uns metediços para o filho. Mas as pessoas grandes faziam e diziam coisas tão estranhas e engraçadas que seriam interessante ouvir que desculpa dariam para não terem, por exemplo, escolhido o nome de Pedro para o primo, deixando-lhe a si mesmo o nome de Gil, em vez de o carregarem com dois nomes que davam mais trabalho a escrever lá na escola.
Ops! Lá ia outra vez a Mãe conspiradora a entrar, muito sorrateira, na cozinha.
Pedro Gil encostou-se às costas da cadeira onde estava sentado e fechou os olhos. A Mãe havia de o imaginar adormecido. Pelo canto do olho viu-a a pendurar um saco de grossa lã vermelha, que ele sabia que tinha saído das agulhas de tricotar da Avó. O saco parecia cheio e pesado.
Eram as prendas! No ano anterior não tinha havido saco vermelho. Vermelhos estavam era os olhos da Mãe quando lhe disse que o Pai Natal tinha enviado carta, a pedir desculpa por naquele ano os não poder visitar. Explicou que isso se devia a uma zona da Terra onde havia guerra e era mais urgente ir acompanhar as crianças de lá.
Pedro Gil consolou a Mãe. Disse-lhe que não ficava triste, antes pelo contrário. Preferia saber que crianças com mais necessidades iriam ver o Pai Natal ou, pelo menos, ouvir as campainhas do trenó a aterrar.
Mas no Natal do ano passado, o nosso conspirador Pedro Gil tinha muito bem percebido que o Pai deixara de sair todos os dias, para ir trabalhar. Ficava em casa, mas não parecia feliz com isso. Até ajudava o menino a fazer os trabalhos de casa. Mas sempre triste.
Depois chegou aquela outra carta. Não era do Pai Natal. Era de pessoas que precisavam dos conhecimentos do Pai para os seus negócios.
Teria havido algum conspirador que ajudara essas pessoas a encontrarem o Pai? Ou o Pai Natal, na rota das estrelas, decidira que a família merecia essa prenda?
O mundo era tão vasto e misterioso! Cheirava bem, estava quente, a cadeira era tão macia, que o Pedro adormeceu, sem ter ouvido os latidos do cachorrinho com que sonhara no ano anterior e que os Pais e Avós reunidos tinham conspirado oferecer-lhe. Neste Natal.