Para que serve um parque? Podem ser várias as respostas a esta pergunta, dependendo do tipo de parque. Serve para crianças brincarem se for um parque infantil, serve para estacionar veículos se for um parque de estacionamento, serve para fazer piqueniques se for um parque de merendas, serve para preservar a Natureza e conservar ecossistemas se for uma área protegida… Especifiquemos, questionemo-nos sobre para que queremos que sirva um parque como o Parque D. Carlos I. Originalmente, se bem sei, o parque terá sido concebido para servir os doentes do hospital termal. A intenção seria a de parques congéneres, proporcionar momentos de lazer aos convalescentes. Gosto do Parque D. Carlos I quando ele me oferece descanso, sossego, contacto com a natureza. Gosto menos quando surge desfigurado dessas suas nobres funções. Numa cidade de província talvez pareça anacrónica tal vocação, porventura mais adequada a urbes agitadas, frenéticas, imensas. Mas não amesquinhemos o pequeno, por cá também temos direito à quietude que por todo o espaço urbano cada vez mais rareia.
Diversas iniciativas e eventos obrigam-nos a reivindicar para o Parque e para a Mata Rainha D. Leonor uma dignidade que vem sendo usurpada com festas de Verão disfarçadas de feiras de hortifruticultura, com festivais de éguas e garanhões, com regatas palermas em águas paradas. Se querem animação a valer, sugiro uma competição de tiro ao pato seguida de comezaina na Casa dos Barcos. Outra opção podia passar por sessões de mergulho recreativo no lago, em busca das criancinhas desaparecidas de Pacheco. Ou uma largada de touros com o alto patrocínio do município, que sabemos apreciar touradas, em vez de passadeiras vermelhas para cavalos lusitanos. Isso é para betinhos. Uma grande mostra de falos no Museu José Malhoa, em homenagem a Robert Mapplethorpe, concederia ao espaço certa contemporaneidade. Ou rave partys de estilo gótico nos pavilhões, por ocasião do Dia das Bruxas. Como facilmente se constata, ideias não faltam. Mais ou menos parvas, todas me parecem viáveis se quisermos ferir de morte a dignidade do Parque D. Carlos I. Mas não queremos, pois não?
Então o que pretendemos para o Parque D. Carlos I? Pela parte que me toca, dispenso tudo quanto não seja ruído natural. A gente devia entrar ali como quem sai da cidade, não como quem arrasta a cidade por ali adentro. Dispenso as feiras, os festivais, o folclore de iniciativas que sob o pretexto da animação conspurcam tudo com pão e circo. Há outros locais onde esses “imprescindíveis” sinais de modernidade podem ser organizados, não no parque.
Alguém imagina uma sessão de striptease na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo? Os espaços têm a sua dignidade própria, desrespeitá-la fere não apenas a valoração do património. É um atentado às marcas simbólicas de toda uma comunidade. É, por isso mesmo, um atentado à própria comunidade. Há quem não entenda isto e julgue que tudo são farturas, lucro, festa, fogo-de-artifício. Estranho que sejam quase sempre os mais conservadores a julgá-lo, talvez por nessas mentes o valor do lucro individual se sobrepor à necessidade de conservar outros valores, como sejam os do silêncio, do direito que todos têm a momentos de lazer em lugares pacificadores. É esquisito termos chegado a este paradoxo: uma das principais características dos progressistas é reivindicarem a conservação do que os conservadores não se importam de sacrificar. Talvez venha a desenvolver esta ideia.
Henrique Fialho
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