Qualidade da governação

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Gazeta das Caldas
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Inicio esta crónica com o pensamento no Luís Ribeiro: sempre admirei a sua inteligência e o seu fino sentido de humor, vou ter saudades de me cruzar com ele por aí.
Dediquei alguma horas do meu fim de semana à leitura do relatório “qualidade da governação local em Portugal” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, saído já em Dezembro deste ano. Embora seja uma leitura extensa, vale a pena.
O estudo, metodologicamente bastante consistente, pretende caracterizar o poder local nas dimensões: Voz dos cidadãos e prestação de contas; Estabilidade política; Eficácia governamental; Acesso e regulação do mercado; Estado de direito e prevenção da corrupção.
Estudos desta natureza, embora raros, revestem-se de uma importância absolutamente crucial para o escrutínio comparado do desempenho do nosso município face à realidade do País. Perceber como estamos posicionados relativamente ao todo nacional, em termos da qualidade da governação autárquica, pode dar-nos excelentes pistas para identificar onde podemos e devemos melhorar e onde, eventualmente, já nos podemos considerar como exemplo a seguir, bastando-nos consolidar as boas práticas.
A complexificação das sociedades actuais, a tendência de transferência de funções do Estado central para as autarquias, a crescente exigência das populações relativamente aos serviços que lhes são prestados, a concorrência dos diferentes territórios por recursos escassos, tornam cada vez mais complexa e exigente a gestão de uma autarquia e, claramente, obriga a uma mudança na lógica da governação. Se a lógica passada foi a centralização e controlo das políticas e acções de gestão do município, os actuais desafios obrigam a que se evolua para uma nova abordagem, descentralizada, em que o poder autárquico se deve assumir como coordenador dos contributos de vários actores da sociedade civil (associações, organizações de solidariedade social, grupos organizados de cidadãos) na construção de respostas globais, integradas e em rede, potenciadoras da maximização dos recursos existentes.
Atendendo à longa história de maiorias monocromáticas à frente da nossa câmara e, como tenho escrito por diversas vezes, à tendência que estas situações têm em perpetuar as mesmas visões e em favorecer as mesmas redes, temo que Caldas da Rainha não esteja preparada para estas novas abordagens à gestão, que se impõem a uma autarquia que se quer moderna, eficiente e, fundamentalmente, capaz de garantir o desenvolvimento sustentado do seu território, que, no caso das Caldas, já foi referência e todos gostaríamos que voltasse a ser.
É um facto preocupante o crescente afastamento e alheamento dos cidadãos relativamente à política, aos políticos e à “coisa pública”. O poder autárquico, dada a sua proximidade e maior ligação ao tecido social tem, nesta vertente, um papel importantíssimo como último reduto de confiança do cidadão na política. Essa é uma responsabilidade maior de todos os eleitos nos 308 municípios do país e Caldas, atendendo ao elevadíssimo nível de abstenção que tem caracterizado as eleições autárquicas no concelho (superior a 50% nos dois últimos actos eleitorais), tem de ter este assunto muito presente na sua gestão, numa co-responsabilização da maioria e de toda a oposição.
Foi para mim uma surpresa verificar que Caldas da Rainha, ao longo das 212 páginas do relatório, só é citada uma vez (esperava mais!), mas esta crónica, que ainda não saiu das considerações iniciais ao trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos, começa a estar longa, portanto terei de deixar para a próxima a análise do conteúdo da monografia.

 

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