
«Miscelânea» podia ser o título deste volume de Isabel Gouveia que reúne textos publicados em jornais, «blogs», revistas e suplementos literários. Camilo Castelo Branco, Brito Camacho e Carlos de Oliveira são três autores maiores nessa arte de «reunir vários escritos de índole diversa na mesma obra». Isabel Gouveia reflecte nestas páginas sobre a relação livro/leitor: «O grande público compra sobretudo livros conectados com a famigerada literatura «light» e os que o ensinam a conviver com as suas frustrações, com os seus medos, com os seus anseios, com os seus problemas psíquicos ou espirituais. Compra os livros que relatam escândalos, falam de pessoas sobretudo ligadas ao futebol ou são da autoria dos apresentadores da televisão e dos políticos».
Apesar deste panorama hostil, a autora teima em inscrever nas suas reflexões a Literatura – como «Lillias Fraser» de Hélia Correia, «Versos Olímpicos de José Ricardo Nunes, «Londres» de Teixeira de Pascoaes, «Afirma Pereira» de António Tabucchi ou «Todos os dias» de Jorge Reis-Sá.
A literatura brasileira comparece nas notas sobre livros de Miguel Jorge e Denise Godoy. Leituras de Cristino Cortes, Álvaro Seiça Neves e Ulisses Duarte antecedem o excelente «Os livros da minha vida» no qual a autora recorda os seus tempos de universitária: «nessa época os meus autores preferidos eram Stefan Zweig e Dostoiewsky». A morte de Stefan Zweig ao lado de um exemplar de «Os Lusíadas» prova que, no Brasil, o grande escritor austríaco projectava escrever um livro sobre Camões: «No mar tanta tormenta e tanto dano / Tantas vezes a morte apercebida! / Na terra tanta guerra, tanto engano / Tanta necessidade avorrecida! / Onde pode acolher-se um fraco humano / Onde terá segura a curta vida / Que não se arme e se incline o Céu sereno / Contra um bicho da terra tão pequeno?». «Bichos da terra» – Camões, Stefan Zweig, Isabel Gouveia, afinal, todos nós.
(Editora: Sinapis, Capa: Inês Costa, Pintura: José Pires)
José do Carmo Francisco