Era uma vez uma girafa nascida bem no centro do continente africano. Irrequieta, curiosa,brincalhona. Um dia passou um jeep na estrada de terra que cortava a planície em duas metades planas agora verdes depois das últimas chuvas.
Assim que a nuvem de pó, causada pelos grossos pneus, voltou a assentar, a nossa girafa, a quem a mãe chamava Gi, decidiu ir ver o rasto deixado pela passagem daquele veículo.
Gi era filha única, vivia com um grupo pequeno de outras girafas, mães e filhas. A mãe dava-lhe muita liberdade e ela já sabia muito bem como procurar alimento no cocuruto das árvores. Apreciava muito as folhas tenrinhas.
Corria depressa e bem, era forte, já tinha uns dois metros de altura. O corpo esbelto coberto por pelo macio cor rosa alaranjado,com lindas manchas castanhas.
Assim que teve a ideia de ir ver o rodado deixado pelo carro, partiu,veloz, em direção à estrada.
Viu logo uma grande concha nacarada. Teria caído do carro? Estava assente na superfície plana de uma pedra, com a abertura voltada para o céu. Isso permitiu que a Gi lhe encostasse primeiro o delicado nariz, depois uma orelha atenta. Ouviu uma música lindíssima. O bramido do mar!
Foi pela explicação de uma ave amiga, que soube qual a origem daquele som. A ave também lhe contou como era o mar e como ficava muito, muito longe,dali do centro de África.
Mas a Gi, enquanto ouvia as explicações da amiga, já tinha decidido. Ia viajar sozinha, para o lado onde o sol se escondia ao fim da tarde. Mesmo que fosse uma longa viagem, a ave tinha-lhe explicado que o perigo não era a falta de alimento, para os muitos dias de jornada. O perigo vinha de outros animais que a poderiam atacar, e destes era de ter mais receio de leões e de leopardos.
A nossa girafa pensou que viajando sozinha, seria menos notada. Despediu-se do grupo.
Começou a viagem. O plano era alimentar-se de folhas das árvores até encher bem a barriga, o que ocupava umas três horas por dia. Dormir outro tanto. E entre andar e correr depressa, como só ela, havia de chegar ao mar!
Nesta viagem houve peripécias várias! Por exemplo um dia conseguiu enganar um leão, que a tentou perseguir, escondendo o corpo dentro de um buraco de uma árvore gigantesca. Só mesmo a cabeça saia lá no alto e enquanto o leão porfiava em a apanhar, ela ia espetando os dentes nas folhinhas lá de cima e ele desistiu de a caçar.
Alguns dias passou sede, alguns outros dias as folhas das árvores do caminho não eram lá muito tenras. Um noite magoou uma pata da frente ao bater na raiz de um imbondeiro. Outra vez ficou muito enjoada ao comer folhas de uma planta que desconhecia e não conseguiu digerir! Enfim, todas as aventuras que acontecem a qualquer ser humano numa grande viagem, aconteceram à nossa Gi. Como todas as girafas,ela tem dois pequenos chifres que são cobertos por pele que lhe dão um ar de muita graça.
Encontrou outros animais viajantes, simpáticos, que paravam um pouco junto dela farejando e dando pequenas cabeçadas amigáveis. Com alguns destes animais, na misteriosa linguagem que usam, conseguiu saber novidades sobre o caminho que tencionava percorrer até ao mar dos seus sonhos. Todos lhe disseram que ia na direção certa.
Também houve dias em que se sentiu cansada e desanimada. Teria feito bem em deixar o grupo para trás? Valeria a pena todo este esforço para ir ouvir a música que tinha aprendido ao escutar o búzio ?
Só andando poderia alcançar o objetivo. E só depois poderia decidir se valera a pena o esforço e a alguma tristeza de viajar sem companhia permanente.
Uma noite em que se sentia particularmente cansada, em vez de dormir de pé como era seu hábito, decidiu afrouxar um pouco a vigilância dos perigos e deitou-se enrolada sobre si mesma.
Foi um longo sono reparador.
Ao acordar ouviu um murmúrio. Nem queria crer! Seria o barulho das ondas do mar de que lhe tinham falado as aves?
Levantou-se devagar e dirigiu os olhos para o longe. Uma enorme massa de água ondulante estava lá ao fundo. No alto das ondas via-se espuma branca!
Sim, era o mar! Correu, as longas e lindas pernas bem alongadas a cada passada. Quando as patas brancas da Gi assentaram na areia molhada ela sentiu-se inundada de felicidade.
Ficou ali, que tempos, a ouvir a música que a fascinara!
Olhou para trás. Ao fundo, as dunas que acabara de atravessar. E depois a planície cheia de árvores e arbustos com folhas tenras. Que mais desejar?
Beatriz Lamas Oliveira