De 16 de março a 25 de abril de 1974

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Isabel Xavier
professora

Ao sair do Liceu, reparei que um dos carros estacionados tinha várias professoras no seu interior. Pensei para comigo: ”o mais certo é estarem a sintonizar alguma estação de rádio estrangeira, ou, então, querem apenas conversar à vontade, longe de testemunhas indesejáveis”. Embora nenhuma delas fosse minha professora, eu sabia que os maridos de algumas delas tinham participado no “golpe das Caldas”, de 16 de março. Como o golpe não foi bem sucedido, os militares tinham sido presos, e os seus familiares e amigos estavam preocupados, sem saberem qual seria o seu destino.
Eu era aluna do primeiro ano do curso complementar (atual 10º ano), era o meu primeiro ano no Liceu, e fora há bem pouco tempo surpreendida pelo alvoroço que o golpe militar e a respetiva repressão provocaram na cidade. Nesse dia, ao chegar a casa, pude constatar que os carros militares estacionados desde a zona do quartel, chegavam até ao Hotel Lisbonense, o que causou em mim forte impressão. Apesar da minha pouca idade, tinha então 16 anos, eu já tinha a veleidade de possuir consciência política e de esta me colocar contra o regime vigente, muito por influência dos meus irmãos. Lembro-me, principalmente, da revolta que sentimos quando José António Ribeiro Lopes foi preso pela PIDE e sujeito à tortura da estátua e da privação do sono, tema de muitas das nossas conversas.
Pertenço a uma geração que gostava de ser e de parecer intelectual. Ao contrário do que acontece hoje, não havia nenhum sentido pejorativo nessa expressão. Por isso, desde muito nova me dediquei com afinco à leitura de livros que não compreendia, de autores como Bertrand Russel ou Albert Camus, com um esforço quase heróico, e sem que essa falta de compreensão me demovesse do meu propósito. O mesmo se passava com os filmes de origem francesa e italiana, de realizadores como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Fellini e Pasolini, que nesse tempo, embora visados pela censura, passavam constantemente no saudoso Teatro Pinheiro Chagas, e que eu e os meus irmãos e amigos não perdíamos nunca. Agora que a censura ou exame prévio já não existe, julgo serem as leis do mercado que determinam que filmes de origem europeia pura e simplesmente não passem nos cinemas portugueses.
Mas a minha consciência política não era tão grande como eu supunha e fui confrontada com essa triste realidade dali a muito pouco tempo, no próprio dia 25 de abril. Nesse dia, lembro-me bem, só tinha aulas de tarde, e estava marcado um teste de Filosofia. Embora eu estivesse a par dos acontecimentos, já que os comunicados do Movimento das Forças Armadas se sucediam através da rádio e da televisão, continuei estoicamente a estudar para o teste, sem ter noção de que o teste nem sequer se realizaria, que a sua realização era incompatível com a magnitude dos acontecimentos desse dia histórico!

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