Miguel Silvestre
A Democracia não se fortalece em consenso. O conforto do consenso é como uma hibernação da democracia, onde uma sociedade cansada se poupa para momentos que considere ser melhor viver. Durante as últimas décadas, vivemos e debatemos modelos de sociedade que nos faziam acreditar na construção de algo novo e transformador. E assim foi em muitas coisas. O Ocidente ocupou-se a contagiar o Mundo com transformações tecnológicas épicas, libertou milhares de pessoas de costumes castradores, arrancou para a transição de modelo económico mais verde, equilibrou o papel dos animais e afirmou a democracia liberal como o regime político que melhor se compromete com a amplificação da voz da humanidade.
As sociedades ocidentais são mais participativas, inclusivas e crescentemente impacientes quanto à incompreensão que outros têm sobre elas. É um paradoxo, mas é o que sentimos perante uma América que se divide de forma agressiva, não entre Trump e Biden, não entre passado e futuro, não entre conservadores e progressistas, mas entre modelos de sociedade diferentes. Ou numa União Europeia que se sente ameaçada por vagas de migrantes. Vivemos difusos entre o conforto conquistado pelo modelo de estado social e a dificuldade das mudanças que temos pela frente, das alterações do modelo energético até ao mercado de trabalho do futuro.
A tensão social afeta hoje a política mais que no passado. Vivemos com frustração todos os acontecimentos que parecem demonstrar que nada aprendemos ou pouco mudámos. Em 2022 vivemos uma guerra que é um atentado aos mais básicos valores das nossas (imperfeitas) sociedades. Ainda frágeis pelas recentes cedências de liberdade individual e coletiva, algumas justificadas pela pandemia, mas que terão de ser reconquistadas imperiosamente. A instalação de uma “nova ordem mundial” (tenham medo sempre que nova surge antes de ordem…) não é só uma aspiração da Federação Russa, mas de todos os radicalismos de direita e esquerda.
Quanto a nós… façamos a reflexão se estamos em “Wohlstandsverwahrlosung”? Palavra alemã que Helene Von Bismarck, historiadora alemã, tweetou e que significa “um estado de decadência que resulta de tudo ser fácil demais e por muito tempo, levando-nos a comparar egoisticamente as nossas queixas mesquinhas e medíocres realizações com a dor e a luta de pessoas que sabem o significado de problemas reais”.
Por tudo o que este texto refere e deixa implícito não poderia nunca deixar de estar com a Ucrânia e com o que o seu povo defende. Sem relativismos ou ajustes de contas com a História. As imperfeições da NATO, União Europeia e das democracias liberais só demonstram apenas uma coisa: são capazes de se confrontar com elas, de debatê-las e (eventualmente) alterá-las. E desta conquista não abdico.