No passado dia 15 de Dezembro participei num colóquio subordinado ao tema “Teatro, Espaço Vazio e Democracia”. A certa altura, falou o Presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha. Convém lembrar que um dia antes do colóquio este mesmo jornal havia noticiado a construção da Companhia Escola Teatro da Rainha como um dos principais investimentos incluídos no orçamento da Câmara para 2019. Entre naturais afirmações de circunstância, Tinta Ferreira propôs um exercício que julgo estimulante. Disse que se perguntasse à população desta cidade se preferia a construção de um edifício para o Teatro ou a requalificação das estradas dentro da cidade, reconhecendo que não se encontram de saúde, tinha dúvidas sobre qual seria a resposta. Eu não tenho. Julgo que a maioria das pessoas votaria na requalificação das estradas, fazendo-me incluir na minoria que votaria no edifício. Creio mesmo que a maioria das pessoas julga que a maioria das pessoas preferiria a requalificação das estradas. Parece-me óbvio que o objectivo era deixar claro que a decisão em favor do Teatro não é popular, podendo até considerar-se politicamente arriscada. Não me oponho.
Inerente às funções de quem decide é a obrigação de uma perspectiva mais exigente e informada do que aquela que se espera da generalidade das pessoas. Também por isso votamos, para eleger quem decida por nós em matérias para as quais não estamos habilitados. Não obstante, o problema é mais complexo do que parece. Que legitimidade tem um político para decidir contra a vontade da maioria? A decisão contrária à maioria estava prevista no programa eleitoral sufragado? Foi a maioria surpreendida por não ter estado atenta ao programa que votou? Depois de ter sido democraticamente eleito, deve um político colocar sobre o eleitorado o ónus da decisão? Então para que foi eleito? Haverá matérias que exigem ponderação mais alargada? Quais? Em que circunstâncias? Dificilmente se responderá a tais questões num espaço de opinião tão curto, mas podemos levantar outras hipóteses sobre o que julgamos serem as inclinações da maioria.
Imaginemos que antes de gastar 4 mil euros em 200 bilhetes para touradas a Câmara tinha interrogado os munícipes sobre a utilização desse dinheiro, colocando-o à disposição de uma qualquer associação de combate à fome no município. Touradas ou combate à fome, qual seria a opção? Em 2015, li neste jornal que a Câmara deu 27.500 euros (mais IVA) para a realização de um evento do Continente que contou com um concerto de Tony Carreira. Imaginemos que antes de patrocinar Continente e Tony a Câmara confrontava os caldenses com a possibilidade desse dinheiro ser canalizado, por exemplo, para uma escola de música. Continente ou escola de música? Ou então que os 27.500 euros poderiam ser aplicados na requalificação do Museu José Malhoa, que tanto precisa. Hipermercado ou museu? Ou ainda que com 27.500 euros poderia ser realizado um festival de música erudita. Tony Carreira ou música erudita?
O problema da gestão do erário público não é de distribuição. Quem está incumbido de aplicar dinheiros públicos tem a obrigação de o fazer sem esperar retorno imediato de todos os investimentos, porque muitos deles exigem tempo, resultam de uma panorâmica alargada que não se cinja às emergências. Se não investirmos na prevenção e na vacinação, acabaremos com as emergências entupidas. Para prevenir e vacinar estamos obrigados a diagnósticos e a previdências, não podemos ficar pelo que temos à frente do nariz, exige-se que olhemos para o horizonte. Mesmo que isso implique decisões impopulares, que não agradem a quem vive de olhar para o próprio umbigo porque a mais não está obrigado.