José Ramalho
ator & marionetista
É com muito agrado que aceitei o generoso convite para desenhar uma vez por mês uma crónica onde irei tentar manifestar um olhar de “estrangeirado” sobre o território das Caldas e região envolvente.
“E agora José?”, poema de Carlos Drummond de Andrade, dá o título à crónica, mais do que apropriado, face à responsabilidade da prosa pública e à obrigatória atenção que a escrita do escrevente metido a cronista não desague em lugares-comuns, tal como termina o poema “você marcha, José! José, para onde?”
Num tempo onde a opinião e o acesso à informação sobre tudo e mais o que se segue estão democraticamente acessíveis, com e sem filtro, de malha completamente esburacada, permeável desde o peixe pilim até ao rodovalho.
Num tempo onde cada um de nós “acha que…” acerca de tudo, provocando a integração no português corrente o aberrante palavrão “achismo”.
Torna-se um desafio desafiante, parafraseando o linguajar popular, encontrar motivos, razões e sobretudo traduzir nesta escrita um olhar que a mim, ao jornal e aos leitores, aporte temas e assuntos que contribuam para a provocação de outro olhar.
Vai ser uma navegação à vista, na procura de pontos de atracagem, orientada pelos faróis de cada momento, procurando a actualidade ou pelo menos a pertinência de cada escrito.
Por estes dias, ao ver o filme-documentário Visages, Villages (Olhares, Lugares), de Agnés Varda (1928-2019) e JR, inquietou-me positivamente, quer pelo modo de registar a imagem, quer pelo conteúdo, provocando um olhar reflexivo sobre a correspondência que tal guião poderia ter no território das Caldas da Rainha.
Lançado em 2017, o filme retrata a viagem de Varda e JR por vilas e pequenas cidades de França para conhecer as comunidades de pessoas nos territórios de vivência e criar retratos em formato gigante das mesmas pessoas, sendo a escolha feita por múltiplas razões. Desde o carteiro duma pequena terra, cuja função ultrapassa a de entregador de correspondência, à qual acrescenta a de entrega da bilha de gás e os avios, facilitando o acesso aos habitantes mais recônditos do seu território; até aos trabalhadores de uma empresa de produtos químicos, ou mesmo uma homenagem a um modelo, já falecido, protagonista de algumas fotos de Agnés Varda no início da sua carreira.
Os retratos gigantes são colados nos mais díspares suportes: paredes das casas habitadas, nas vivendas inacabadas numa aldeia perto do mar, cuja construção foi abandonada, contentores e até num bunker da II Guerra Mundial, à beira-mar.
Estas instalações artísticas, criadas com os protagonistas anónimos de cada território, que ganham a dimensão da posteridade, pelo agigantar da sua imagem impressa e fixa em cada suporte, umas vezes resistente ao tempo, outras de efémera duração, ajudam a promover olhares artísticos e a despertar a sensibilidade dos locais.
Vem isto a propósito do fenómeno da Street Art que se dissemina pela cidade das Caldas da Rainha.
Cidade da Cerâmica, encontra neste filme o exemplo que poderia aportar para homenagear os anónimos trabalhadores desta indústria, numa Exposição de fotografias de grande porte, transformando a Cidade numa Galeria a Céu aberto com a instalação de rostos, embaixadores dessa Arte, uma das principais marcas identitárias da cidade.
1Título de poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)