O caracol e o elefante

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Gazeta das Caldas
| D.R.

Uma família de caracóis estava muito pacatamente a apanhar sol. Estavam a fazer a digestão. Durante a noite tinham visitado a horta, ,e comido muita alface, couve, e até uma maçã caída da macieira. Grandes comilões são estes moluscos que vivem com a casinha às costas. A fome vinha-lhes de vários dias sem chuva, mas uma bátega de água ao pôr do sol, tinha trazido frescura e apetite a este fim do dia.
Na verdade esta família era descendente de um tio francês, o famoso Escargot. Ele tinha vindo visitar a península ibérica no tempo de um famoso guerreiro chamado Napoleão.
O Tio Bisavô Escargot tinha viajado em grandes cestos de legumes trazido nas carroças conduzidas pelos soldados do tal guerreiro conquistador. Aí a atual família Caracol reproduzira-se e alargara, e eram às dezenas, ou mesmo centenas os tios, primos e primas, amigos e companheiros que um dia se tinham encontrado espalhados pelo Jardim Zoológico, morada permanente do rancho.
Contentes, pois a água e a comida eram abundantes, tinham bendito a sua sorte e aventuroso destino.
Uns viviam no jardim dos macacos, outros eram vizinhos das girafas, outros ainda brincavam no pátio dos leões. Estes grandes animais olhavam os caracóis com um misto de simpatia e indiferença, pois que, entre eles, não havia competição, nem pela comida, nem pelo espaço. Estes duas desculpas são as habitualmente dadas para as grandes contendas.
Esta família de quem temos estado a falar vivia no jardim dos elefantes. Poucos dias antes, a dona Elefante tinha tido um belo e pesado filhote. Ainda era desajeitado, por vezes escorregava das pernas abaixo e malhava no chão. O caracol mais velho achava-lhe muita graça e dera-lhe o nome de Trombinha. Apreciava ver o pequeno filhote a tomar banho numa grande tina que o tratador colocava junto das fortes patas da mãe. Perto cresciam ervas que o caracol apreciava e assim podia alimentar-se e rir-se das habilidades do engraçado e animal trombudo.
Um certo dia, ao pôr do sol, o Trombinha reparou que o Escargot sénior, o estava a observar e dirigiu-lhe um alegre Shplim! Ou seja um aceno de boa noite! Foi grande alegria a do caracol!
Fiando-se na sua sabedoria de mais velho, veio cautelosamente à conversa.
-Tu ainda és pequenino! A tua mãe tem de te dar banho e dá-te leite a beber. Ela cuida muito bem de ti! Eu gosto muito de ver as tuas tropelias. Tu és um bocadinho teimoso, não és?
O Trombinha rebolou-se a rir. O corpanzil cheio de lama, acercou-se das ervas onde se repimpava o caracol, e entre soluços de riso, comentou:
-Chamas-me pequeno a mim? Tu és atrevido! Então e tu és o quê? Serás um gigante da floresta a quem alguma fada bateu com a varinha errada? Eras muito grande e agora, por artes mágicas, ficaste pequenino?
Temos de esclarecer que a dona Elefante todas as noites contava histórias de embalar ao filho e por isso o Trombinha já era um entendido em fadas, duendes, gigantes e heróis de contos infantis que tinham grande tradição na floresta.
Mas o Caracol ficou triste. Então o alegre e brincalhão Trombinha não lhe respeitava a velhice? Nem por ele transportar a casinha sempre às costas? Só isso mostrava bem o quanto era mais velho e responsável.
Ainda pensou falar nos seus nobres antecedentes e na história da família Escargot.
Mas o melhor seria dar uma lição àquele filhote atrevido, lição que um dia lhe poderia ser útil.
-Ah! Tu achas-me pequenino? Pensas que és mais forte do que eu?
O Trombinha até se deitou de costas para rir e toda a barriguinha ainda rosada se lhe tremeu de alegria.
-Ainda duvidas? Não me digas que queres medir forças comigo!
-Pois quero sim senhor, menino elefante. Vamos fazer uma corrida e vamos ver quem ganha!
-E vamos correr até onde? – indagou o Trombinha.
-Pode ser ali até àquela grande pedra, aquela depois do charco, onde a tua mãe vai tomar banho!
-E quando partimos? Perguntou muito interessado o petulante elefante, que se fosse bebé humano, ainda usaria fraldas.
-Assim que romper a Lua! É a hora da partida.
O pequeno elefante já tinha ouvido falar da lua, mas da lua que entrava nas histórias que a mãe lhe contava. Ainda esteve vai, não vai, para perguntar quando chegava a senhora que trazia o luar. Mas não quis dar parte de fraco. Ia perguntar à mãe, e de qualquer modo a corrida com o caracol estava sempre ganha! Por isso limitou-se a concordar e a dizer que lá se encontrariam no penedo.
O esperto descendente do Escargot ficou a ver o Trombinha a afastar-se, bamboleando a barriguinha.
Deitou-se ao caminho pois a noite era a sua hora preferida para passeios de aventura. A pedra escolhida era o seu destino.
O Trombinha, por seu lado, quando chegou junto da mãe sentiu o cheiro ao leite a pôs-se a jeito para mamar.
Quando se sentiu satisfeito e lhe começou a dar o sono que lhe vinha sempre que a barriga estava atestada, adormeceu. Esqueceu de perguntar à mãe quando vinha a fada do luar.
No dia seguinte acordou e olhou em volta. Alguma coisa estava errada. Correu em direção à pedra. E quem lá encontrou muito bem instalado, com os pauzinhos ao sol? Quem? O Escargot, sénior caracol.

Beatriz Lamas Oliveira
blamas599@gmail.com