Só sei que nada sei…

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Dora Mendes
técnica de museu

Ditava o Livro do Compromisso do Hospital, que a época de tratamentos se iniciava a 1 de Abril. E ainda que que nem sempre esta norma tenha sido cumprida, certo é, que na grande maioria das vezes, os banhos se iniciaram nos primeiros dias deste mês.
Ora, ir a banhos, ou entrar no processo de cura, significava muito mais do que somente uma sequência de banhos termais. Tinha implícita uma perspetiva integrada, onde a máxima “mente sã em corpo são” ganhava outra amplitude.
Mais do que a cura do corpo, a cura da alma era uma prioridade à época, acreditando-se que os males da alma precediam os males do corpo. Atestando a importância dada à cura espiritual, no nosso Hospital eram os elementos do clero que se viam representados em maior número dentro do grupo de profissionais que ali trabalhavam. Além da celebração diária de missas, era necessário assegurar a assistência aos doentes através de práticas várias durante as rotinas diárias do hospital.
Se os banhos termais são desde sempre associados a processos de cura e bem-estar, não menos terapêuticos serão os banhos de mar. E embora a tradição destes últimos se tenha manifestado entre nós mais tardiamente, somente no século XIX, depressa ganharam inúmeros adeptos que, desde então, habitam as inúmeras praias da nossa costa.
Salgada, salobra, doce, repleta de sais minerais, de enxofre ou sulfúreas será, por certo, consensual que o elemento água sempre foi, nas suas mais variadas vertentes, fonte de vida e bem-estar.
Há, no entanto, algo que a mim me fascina na água termal, o factor idade. A idade destas águas, onde o tempo lhes confere uma outra dimensão que nos transporta para além do momento presente.
Apontam alguns estudos mais recentes, que as águas termais que nascem por estas bandas contam com cerca de 2500 a 3000 anos de idade. Significando isto que, desde o dia em chove sobre a Serra dos Candeeiros, até ao dia em que nasce por aqui, cada gota deste recurso maravilhoso percorre, muito lentamente, toda a geologia da região de onde vai extraindo grande parte das suas propriedades e constituintes.
Fazer um banho termal é, por isso, um verdadeiro mergulho na história. Mais do que o banho por si só, é impossível ficar indiferente à herança narrativa que cada gota de água termal traz consigo… E se, geologicamente falando, 2500 anos pouco nos dizem, já no que à história diz respeito, imagine-se as lendas, guerras e batalhas, histórias de amor e desamores, conquistas, invenções, artistas, príncipes ou princesas e tantas, tantas outras gentes que por aqui passaram enquanto, serenamente, estas águas se passeavam sob este solo.
Em pleno mês de Abril de 2023, aberta a época termal, aproximando-se o Dia Internacional dos Monumentos, despeço-me com esta ultima crónica convidando-vos à experiência termal, como forma de fruição, e consequente preservação, de um bem patrimonial que me é bastante querido.
E quando sob as águas mornas desta cidade de Caldas estiverem, atentem ao cair das gotas, pois certamente ouvirão a voz de Sócrates murmurando ao longe… “Só sei que nada sei…” ■

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