João Frade
jurista
A denominada alteração à Lei dos Solos, ou alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), introduzida pelo Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, veio permitir a reclassificação simplificada de solos rústicos em solos urbanos, possibilitando a construção nesses terrenos. O objetivo é aumentar a oferta de habitação a preços mais justos e acessíveis.
A reclassificação de solos rústicos para solos urbanos tem de ser aprovada pela Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal. No entanto, nem todo o solo rústico pode ser reclassificado. Continua a ser proibida a construção em terrenos com elevada aptidão agrícola, nos termos da Reserva Agrícola Nacional. Relativamente à Reserva Ecológica Nacional, mantêm-se as restrições destinadas a salvaguardar valores e funções naturais fundamentais. Além disso, é vedada a reclassificação de áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, como zonas de risco (inundações, instabilidade geológica) e áreas abrangidas por programas especiais da orla costeira, cursos de água ou dunas.
Como referido, esta alteração à Lei dos Solos visa mitigar a escassez de novas habitações no mercado e os elevados preços praticados, através do aumento da oferta de terrenos para construção. No entanto, apesar das suas boas intenções, pouco ou nada acrescenta às zonas onde a necessidade de habitação acessível é mais crítica, como Lisboa e Porto, onde não existe solo rústico disponível.
Importa ainda salientar que a falta de construção habitacional não se deve, essencialmente, à escassez de terrenos urbanizados. Por todo o país, existem vastas áreas de terrenos urbanizados que permanecem sem qualquer edificação, muitas vezes durante décadas, à espera de valorização. Só em Lisboa e Porto, estima-se que esses terrenos tenham capacidade para mais de 20.000 novos fogos. Também na nossa região existem loteamentos aprovados, alguns totalmente infraestruturados ou urbanizados, mas sem qualquer edificação.
Antes de se equacionar a construção em terrenos atualmente classificados como rústicos, seria essencial apostar na edificação em solos já urbanizados dentro dos perímetros urbanos e promover a reabilitação dos inúmeros imóveis devolutos que existem em todas as cidades. Muitos desses edifícios são propriedade de entidades públicas, que deveriam dar o exemplo na sua recuperação e reutilização.
Uma das medidas que já estava prevista na lei para incentivar a recuperação de imóveis devolutos é a aplicação de uma majoração do IMI sobre estes edifícios. Os municípios podem – e devem – utilizar este mecanismo para pressionar a sua recuperação e utilização. Caldas da Rainha, face ao número de edifícios devolutos, degradados e sem qualquer aproveitamento que tem, não pode continuar sem um único destes imóveis sujeito a majoração ou penalização no IMI.” ■