Abro esta crónica com uma célebre frase atribuída a Platão: “Há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar”.
Eu “não ando” no mar, mas aprendi a prezar muito esta frase. 16 de novembro é o Dia Nacional do Mar; pelo país, multiplicam-se os eventos para assinalar a data, alguns estendendo-se ao mês inteiro.
Em 1957, num guia turístico, Frederic P. Marjay questionava “Poderia, porventura, Portugal existir sem o mar?”. Andamos há séculos neste debate entre a prevalência litoral ou rural, não obstante a propalada vocação marítima da nação. Sou mais apologista de uma clara complementaridade e interação entre ambos os mundos.
No entanto, é certo que o mar encarna a “nossa” presença identitária e muito haveria a discorrer sobre o mesmo. Por agora, destaco quatro aspetos:
Primeiro, a sensibilização para a urgente alteração nos comportamentos diários, porque todos temos um papel na preservação dos oceanos. Ressalto o projeto “O mar começa aqui” que, num objetivo de cidadania ativa e de educação da comunidade escolar, levou alunos e municípios a pintarem criativamente sarjetas com a frase “Tudo o que cai no chão, vai parar ao mar”.
Segundo, hoje, a medição de forças entre o homem e o mar revê-se sobremaneira na intrepidez do surfista, afetando a projeção turística do país (e da nossa região em particular, desde a Ericeira à Nazaré). Alteram-se tecidos económico-sociais de comunidades desde sempre baseadas na pesca e abrem-se novas formas de sociabilidade entre o protagonista tradicional do pescador e a modernidade figurada no surfista, que chega das quatro partes do mundo; ambos partilhando espaços, saberes e atitudes de observação, espera e audácia. Sim, porque isto de “viver do mar” tem muito de espera e olhar, onde a ancestralidade dos saberes populares se pode e deve articular com as tecnologias e estilos de vida atuais.
Terceiro, o mar é instigador da investigação científica, aponta futuros e alternativas em termos energéticos, alimentares e tecnológicos. Temos, em Peniche, uma escola de referência na ESTM do Politécnico de Leiria.
Por fim, o mar é a fluidez que nos espicaça perante a segurança da permanência em terra, miragem da partida que nos interpela ao encontro de “mundos melhores”; fosse no apelo subjacente às “Descobertas” da época moderna; fosse na imaginação infantil do pequeno Constantino, do romance de Alves Redol, que guardava vacas mas sonhava contruir um barco para fazer uma viagem que lhe trouxesse a liberdade. Seja, afinal, como via de chegada de tantos refugiados que atravessam o Mediterrâneo, esse “mar nostrum” que sempre foi separação e união entre civilizações.
O assunto não pode ser mais atual. Mais do que uma evidência: na zona ribeirinha do Tejo, encontramos três criações artísticas afins deste lado metafórico do mar: a instalação “Barco” de Grada Kilomba, junto ao MAAT; “Clamor da Maré Cheia”, de Cristina Rodrigues, no jardim do Museu Nacional de Arqueologia; e, na badalada exposição “Rapture” de Ai Weiwei, na Cordoaria, os refugiados, o mar e o barco são omnipresentes como miragens de salvação.
Segundo a mitologia grega, Dóris era uma divindade aquática, uma das três mil Oceânides, mãe das Nereides, ninfas do mar. Afinal, o mar é a “minha” e a nossa essência! ■