Acontece regularmente ao passar pelos pórticos informativos na autoestrada: olhar para cima, para verificar se a hora aí indicada coincide com a do painel de instrumentos no carro. Há sempre sincronia – a hora do carro está certa, é um conforto. Afinal, passar no pórtico é um serviço pago pelo condutor, o mínimo exigível é alguma garantia de estabilidade temporal à viagem!
Posso estar atrasado, ou adiantado ou posso estar dentro da hora, é igual, o pórtico diz-me que naquele momento estou ali. Não é a minha imaginação, é o pórtico, por cima de mim. Se lá em cima, no topo do pórtico, está a hora certa, então, na estrada está o lugar dessa hora.
O que significa sincronia numa autoestrada? O carro – todas as suas componentes – está sincronizado pelo pórtico, e o telemóvel também, e o condutor também, durante um intervalo de tempo muito curto, enquanto divide a atenção entre a estrada e a hora no pórtico e, depois, continua, até sair.
Entrar na autoestrada é um compromisso com duração planeada. Encontrar um pórtico provoca uma subtração tranquilizadora: falta um determinado tempo para a hora planeada – a hora de sair. Até então, estamos em lugar nenhum, ou melhor, estamos dentro do corpo, mas o corpo não tem sítio; e nesse instante ligamo-nos ao caminho, a uma determinada hora sem lugar. É isso que o pórtico faz, anula o espaço e encolhe o tempo: ajuda a autoestrada a ser.
A hora lá de cima está sempre certa. Deve haver uma hierarquia cronométrica do mundo, que o apaga. Resta a hipótese de olhar mais para cima, para o Sol, com cuidado.
Se enviarmos tudo o que não precisamos para o espaço, incluindo relógios (?), no meio dos satélites e do lixo, o espaço fica sincronizado e sonharemos com o dia em que olhamos para cima, para além do pórtico, para garantir que o relógio do carro está certo, e não vai estar. Nesse dia voltaremos a estar sincronizados com a Terra, se ainda for possível.
Há outras maneiras de olhar para o espaço: John Peckham, um franciscano inglês como Bacon, escreveu em 1279 no seu Perspectiva Comunis (óptica natural), acerca da observação de um eclipse solar: “Quando, por ocasião de um eclipse solar, os seus raios são recebidos num sítio escuro através de um buraco de qualquer forma, é possível ver a figura crescente tornar-se mais pequena à medida que a Lua tapa o Sol”. ■